Wednesday, June 04, 2008

bondades ao domingo

a igreja, alta, imponente, trazia-me uma calma que outros edifícios não podiam trazer. as palavras sábias da fé brotavam qual água de nascente pela voz do padre, mensageiro dos desígnios divinos dos mais altos altares do universo. palavras calmas submergiam-me diariamente numa transe inconsciente, uma meditação transcendente que ultrapassava o meu raciocínio e se fundia com cântigos e orações.

e a igreja, o altar, o crucifixo, as figuras, o tecto, as abóbadas, as arcadas, os pilares e colunas, a talha perfeita e bem cuidada contrastavam com o abandono da minha rua, com a sujidade da cidade. as palavras de deus estavam ali esculpidas e deus chorava suas lágrimas e espalhava seus ensinamentos àquele rebanho.

à saída, ainda evolvido no espírito santo e nas boas-graças do senhor, entornei umas moedas da minha carteira para um pobre amputado que chorava ao portão do adro divino. depois de ter pecado a semana toda, de ter cometido quase todos os pecados mortais e outros de menor porte, só assim poderia purgar minha consciência das ofensas a deus. o amputado ficava sempre a ganhar umas moedas para o que lhe conviesse. e que seria da minha consciência não estivesse ele ali? não há terços nem castigos que me descansem como umas bondades ao domingo.

2 comments:

Sal said...

Que texto fabuloso.
Parabéns.
Posso levá-lo emprestado?

beijinhos

miguel said...

é a ideia de tudo quanto escrevo. (em)prestar-me.