Wednesday, May 06, 2009

do fim, nascem as letras ígneas

o fim deste blog é o início deste.

Thursday, April 23, 2009

este blog fechou.

Tuesday, April 21, 2009

poema

sou o poeta da dor,
se poeta sou, perdido, porém.

sou o poeta sem lágrimas,
que já chorei a água dos rios que secaram.

Monday, April 06, 2009

- sem título -

quando me pousas a mão na pele,
sinto-me como o chão que recebe as pétalas no fim da primavera.

Thursday, April 02, 2009

ember's fire

chama acesa na minha pele
como brasa de fogueira intensa
na areia.

assim me ardo, incandescente
carne flamejante no céu negro,

reflectido no mar quente.

Thursday, March 26, 2009

amanhã

vivemos a era da morte
mas da força em potência
capaz de ser mais forte
que à nossa volta a decadência,

decai...

morte... morte...

porém os nossos braços
construirão pontes para o lado de cá.
do orvalho, fresco.
da aurora.

aurora.

Tuesday, March 24, 2009

sem título

o vento do sul acalmava agora enquanto o sol mergulhava nas águas negras douradas.
os cabelos dela entre os meus dedos como sonhos e nos nossos dorsos a brisa perdida.
depois de me ter apaixonado, todos os dias eram dias de Maio, à beira do rio.

tatuagens

disseram-me um dia que nunca teria oportunidade de alterar o passado.
hoje suspiro.
pois que sou a soma dos momentos passados que se me cravam como tatuagens.

e gosto das tatuagens assim, permanentes.

Friday, March 13, 2009

o que eu queria mesmo
era poder esculpir um poema
como quem esculpe uma pedra
conhecer-lhe a dureza,
a clivagem e a partição,
a estrutura,
poder escoprá-lo, dar-lhe um nome, uma cor.

retocar-lhe uma aresta,
até que a rocha bruta se me surja
em estrofes e versos
com a luz da manhã
e rimas alternadas
de minerais, metáforas e cristais.

lembrei-me entretanto,
que não sei escrever na pedra,
nem esculpir no papel.

Thursday, March 12, 2009

poesia a concurso?

não sei porquê, meti-me nisto. mas acho que já estou arrependido.

Friday, March 06, 2009

noite

sobre a mesa, descansam agora os copos vazios. num deles ainda se nota a marca dos teus lábios.

gosto de acordar e ver que a noite se prolongou, que os cigarros arderam sozinhos no cinzeiro e que os copos ficaram abandonados na mesa da sala.

gosto de te ver nua, cruzando o corredor, que espreito deitado.

gosto do lume dos teus beijos, do sopro do teu corpo.

ao lado da cama, as roupas renitentes, fazem qualquer dos dias parecer sábado de manhã.

vem

dou as voltas necessárias
e as nem tanto
à noite nos lençóis.

faltas-me,
o ar apaga-se-me,
e a luz esconde-se por debaixo da porta,
mesmo quando o sol brilha lá fora.

à noite nos lençóis,
brilhas ausente sobre o meu corpo
que me falha, por te não ter.

Monday, March 02, 2009

indiferença

passando os dedos no jornal,
vejo letras pretas
que contam negras histórias do meu mundo

e quando sorvo o café,
revolta-me não estar sujo
da mesma lama,
do mesmo sangue,
exausto do mesmo esforço,
sôfrego do mesmo ar,
faminto pelo mesmo arroz,
morto pelas mesmas balas.

e eis... que,
na verdade, estou.

sujo, sim.
doente está porém quem nas mãos traz o jornal e na alma
a indiferença.

quando te vi

quando te vi
pensei que se pudesse
te soprava a minha alma no pescoço
como um vento quente
que perduraria até ao pôr-do-sol

quando te vi
pensei que se pudesse
te traria flores do outro lado do mundo
com pétalas intactas
adorados espelhos, lentas paixões

quando te vi
pensei que se pudesse
te punha a mão na anca,
leve, ao toque contemporâneo
de um beijo sobre os lábios

quando te vi
pensei que se pudesse
passaria a existir no teu mundo
distante, longínquo
como a linha do horizonte

Thursday, February 12, 2009

conto da chuva

Ontem a chuva tinha parado de cair.

Todos esperavam agora que os raios do sol viessem esplêndidos espalhar-se sobre o mundo. Depois da guerra, a terra massacrada fustigou a sua superfície com cinquenta anos de chuva incessante. Não fora o castigo divino que os padres apregoaram, não fora nenhum flagelo à força. Foram apenas as mágoas que já soçobravam das dores exageradas, da estupidez prolongada.

Ao princípio, buscámos as respostas em quem as vendia, depois em quem as dava, e só passadas quatro décadas de chuva, as deixámos de procurar. Foi nesse dia magnífico, exactas cinquenta primaveras depois, que os homens e as mulheres de todo o mundo se deixaram de cobrir sob os guarda-chuvas, oleados e impermeáveis. Foi quando deixaram de vestir as entretanto inovadoras soluções contra a água permanente. Foi quando sentiram a água nas suas peles e, de facto, se molharam, que as nuvens começaram a dissipar.


Parecia uma madrugada. Muitos houve que nunca conheceram o sol ao longo da curta vida. Outros tantos já pouco se lembravam do seu efeito dourado, do seu poder e do seu sopro quente. Muitos nunca o tinham visto e dele sabiam pelas fotografias e filmes do passado, ou pelos livros da escola que o haviam agora relegado para as últimas páginas porque era patrocinados pelas empresas que fabricavam e vendiam os mundialmente famosos oleados.


Foi quando os homens e as mulheres, depois de cinquenta anos resguardados, decidiram sentir, tocar e deixar cair a chuva sobre si próprios que ela, como que com amor, deles se começou a despedir. Começou por cair mais leve, as nuvens tornaram-se de tal forma menos espessas e mais claras que os raios de sol puderam, finalmente, atravessá-las. Nesse dia, podemos afirmá-lo com propriedade, o mundo parou.

Pararam as fábricas, pararam as lojas, pararam as escolas, pararam os pais com plena colher em riste quase à beira da boca dos filhos, pararam os cachorros, os gatos vadios, pararam as árvores agitadas, pararam as vagas bravas do mar, pararam os carros na estrada, pararam os comboios nas linhas. E mesmo onde era noite, júpiter apareceu nos céus como não fazia há cinquenta anos, por entre o intervalo de nuvens persistentes. E até aí, a noite parou também.


A empresa de impermeáveis, oleados e guarda-chuvas, que era a mesma que desenvolvera as tecnologias submergíveis para todo o tipo de máquinas e instrumentos electrónicos ou mecânicos, essa quase faliu. Mas cedo todos percebemos que a empresa deve servir as gentes e não servir-se das gentes, ainda mais quando dela não depende a meteorologia.


Hoje, aos primeiros raios da alvorada, as pessoas estavam todas despidas.

pensamento

a poesia não mora nos becos dos dicionários e prontuários, onde, última e infelizmente, a temos enfiado. mora-nos no sangue e na alma, onde involuntária e desumanamente, a temos calado.

Sunday, January 18, 2009

sangue e silêncio

anda, entra! dizia a mãe ao miúdo assustado que chorava à porta da escola convertida em abrigo. anda depressa! continuava em desespero e o miúdo, de cara suja, chorava e teimava em ficar de fora. lá para dentro estavam todos amontoados, como objectos que se guardam nos armários quando os já não queremos.

como as velharias que se colocam nos sótãos quando não tencionamos tornar a usá-las.


pela mão puxou-o para dentro, quase à força, quase em pranto. afinal de contas, os soldados tinham sugerido que se refugiassem ali. numa escola, cuidada pelas nações unidas, onde só os civis caberiam. uma antiga escola onde houvera um dia aulas, servia agora de casa de abrigo para os seus antigos e futuros alunos.

os soldados ocupantes, de arma em punho, capacete moderno, haviam-lhe entrado em casa no terceiro dia dos bombardeamentos. sugeriram que apenas procuravam terroristas e militares escondidos. que as bombas serviriam apenas para destruir esses alvos perigosos, diziam. recomendaram-lhe, e a mais umas boas centenas de mães e crianças, que se refugiassem na escola, que aí não cairiam as bombas.

ao quarto dia dos bombardeamentos, a mãe puxou o miúdo para o colo. lembrou que já perdera o filho mais novo e o marido. que queria proteger este puto com tudo o que tinha, com todas as suas forças. carregou numa mochila uns mantimentos ligeiros e no braço levou o rapaz. atravessou uma ex-cidade quase de ponta-a-ponta. ouviu silvos de balas mortais perto dos seus cabelos, saltou por cima de corpos moribundos e cadáveres cobertos de sangue. encostou-se a paredes devastadas, ouviu os gritos das velhas desesperadas, ainda deu água a um rapaz que corria perdido nos escombros.

chegou finalmente à escola, à segurança. os soldados, apesar de ocupantes, queriam apenas suprimir a ameaça que viam nas nossas estruturas militares ou para-militares, pensou. contrariada, refugiou-se, por não poder largar a criança, por não poder pegar o destino e a revolta nos seus braços, por não poder, não ter as forças, para expulsar da sua terra os soldados dos capacetes, metralhadoras, caças e bombardeiros, os tanques da opressão. conformou-se à sua condição de fraca, oprimida, mas mãe forte e fonte de coragem para proteger o que é seu porque lhe nasceu de dentro.

conseguiu finalmente trazer o miúdo para dentro, embora o seu choro fosse agora ainda mais agudo. dentro da escola-abrigo, juntou-se às centenas de mães que traziam ao colo ou pela mão os filhos e as filhas, aos outros pequenos que por ali choravam agarrados às mães. lá dentro uma massa de gente que abandonara tudo, que perdera já muito. gente que não sabia o que lhes reservaria o amanhã.

dois dias depois, depois de ali comer e dormir, ou não dormir, uns segundos de silêncio acompanharam um olhar colectivo, surpreendido, revoltado e choroso, para o bombardeiro que passou nos céus acima da escola. as lágrimas não tiveram tempo de escorrer, as mãos mal tiveram tempo de se cerrar. o silêncio tomou-os todos, mães e crianças. um assobio ao cair da noite converteu a escola em ruínas de sangue e silêncio.

Saturday, January 10, 2009

coragem

não digo israel sem chorar.
não digo médio oriente sem me arrepiar.
não digo palestina sem me ajoelhar
ao sofrimento.

não direi terrorismo sem gritar
até ao último sopro dos meus pulmões
o que é o terror das bestas que te acusam.

não direi paz sem pensar
tem coragem.

- sem título -

beija-me antes da morte,
ama-me antes da dor,
chora antes de sangrar,

abraça-me antes do inverno,
tudo antes de te perder,
meu amor.