a árvore intensa relembra-me os dias que vivi ali. hoje, como antes, o calor cai sobre nós como uma explosão que em vez de momentânea se torna constante. na praça, as mesas dos velhos em redor suportam as pedras do dominó, consolo diário desta gente que, mesmo centenária, sabe que em casa não se fazem amigos, nem há tantos sorrisos. além disso, para eles, qualquer hora pode chamá-los à morada final.
voltei aqui sem saber os motivos de ter alguma vez partido. na verdade, não sei os motivos que agora me trazem de volta. só sei que na minha casa, moram apenas os restos de uma vida que já não tenho, uma cadeira de balouço parada no tempo com o esqueleto de minha mãe e uma mão cheia de traças no casaco que vestia o meu pai, ora feito em pó cinzento, desmantelado no sofá.
choraria, fosse eu outro. por ter deixado o tempo comer essas vidas na minha ausência. mas chorar não faria sentido ali, depois de tudo o que vi e de todo o lugar por onde andei.
conheci o inferno, o paraíso, as cidades, as aldeias, o gelo e os trópicos. conheci mulheres de todo o canto. conheci as lágrimas dos órfãos das guerras, conheci as espadas trespassando homens. conheci os horrores. conheci os monstros do mar e das montanhas, as éguas e as suas amazonas, os centauros diabólicos das florestas e os gnomos das grutas escuras do norte.
só não conheci o amor. esse estava ali no pó cinzento de meu pai e no esqueleto da minha mãe. chorar porquê?
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