Monday, October 22, 2007

afinal

corre-me sangue pelas veias
qu'eu vi.

Sunday, October 21, 2007

outubro

naquele dia de outubro os raios do sol caíam oblíquos sobre a terra e passavam pelas cortinas translúcidas em tons de fotografia antiga. no ar do quarto a luz atirava-se como lâmina diáfana e etérea por entre alguns recantos cortando a escuridão. deitados sobre a cama larga e desfeita poderiam ver o corpo um do outro como ilhas em relevo, sobressaindo um peito, um joelho, uma anca, um ombro também.

percorrerram-se. destinaram-se. até que a luz desapareceu.

Thursday, October 11, 2007

desassossego

na verdade,
sim--eu quero
ser exactamente
como todas as mulheres
como cada uma
a combinação
o conjunto
a soma
das mulheres
que já tiveste.

eu quero ser a mexicana
que se levantou cedo
para fazer salsa fresca.
quero ser a que mudou de país contigo.
quero ser a que te dava presentes
e de quem gostavas pouco
ou mais ou menos
ou ainda menos.
quero ser as de anos lentos
as de noites curtas,
as de sono leve.

quero ser aquela com quem acordaste
e te levantaste
com languidez
enquanto o prédio se derramava em lume.

disse que não queria
porque é o que dizem os amantes
nestas ocasiões,
mas a verdade

é que quero ser
a multiplicação
das mulheres
que já te amaram
que já se te deram
que já te quiseram

e assim amar-te, querer-te, dar-me
sem desassossego,
sem ciúme, sem cio,
ainda mais.

Tuesday, October 09, 2007

vírus

a ti, porco
que te passeias vaidoso,
yuppie merdoso,
snob asqueroso,

a ti, ratazana
molhada do esgoto,
cérebro roto,
cuspo, perdigoto,

a ti, vírus
febril, contagioso,
pútrido, venenoso,
os homens não levarão flores
quando morreres.

a tua morte será o esterco
de que em vida te orgulhaste.

não se lavará tua campa da traição e ignomínia
e de ti não rezará nunca a toponímia.

Wednesday, October 03, 2007

as pessoas caídas

tenho as lágrimas presas por fios de vontade
que nunca se rompem nem partem,
tenho o sofrimento latente,
palpitante, de incandescente intensidade.

dói-me a gente,
nunca foram anjos as pessoas caídas
que dormem pelo chão da cidade.

Monday, October 01, 2007

por detrás do muro

enquanto fumávamos aquele cigarro juntos, pelo carreiro, trocámos palavras sobre a paisagem. sobre a planície que se estendia a nossa direita elevando-se aos céus lá ao fundo antes de mergulhar a rocha no mar. aquele verde subjugou-nos, involuntariamente. aqueles afloramentos de profundidade exposta desenhados pelo vento e pela água primordial foram a matriz de todo o nosso pensamento. e o cigarro queimava lentamente.

e quando parámos à sombra da parreira que subia à nossa esquerda, contemplámos apenas a grandeza dos campos.

quando tomava café sozinho de manhã, li no jornal sobre o fogo que lavrou o verde e as terras. que tornou o verde em cinzento e a terra em morte ígnea. a parreira aparecia numa fotografia em página impar do jornal, mas parecia apenas um desenho a carvão, sem folhas, ramos contorcidos e encurvados como que protegendo-se da dor. o muro antes caiado de onde brotava a parra, preto. era dia de breu na encosta da serra.

e uma caixa de texto no jornal, na mesma página, lia ainda que por detrás do muro morava gente e que preparavam a vindima para setembro. mas dizia mais. que não haveria vindima porque suas casas tinham sido comidas pela terra que ardia.

e eu lembrei-me do passeio ao longo do muro antes caiado. e lembrei-me que falámos apenas da paisagem. por detrás do muro estavam pessoas.