Thursday, September 29, 2005

acordar sobre o mar, ali, naquela praia

e se um dia
quando a manhã te chegasse
rompendo o sono e o sonho
pelo fio de luz por baixo da porta,
trouxesse tudo novo,
como fosse primeiro vento de primavera,
ou tua primeira vez em corpo inteiro?

como fosse primeira vez
que fazes amor queimando a própria areia
com o fulgor que te cobre a pele,
mesmo no frio dos primeiros raios de sol
sobre o mar, ali, naquela praia.

como fosse o fim de um princípio
iniciado antes mesmo de nasceres
e que nessa manhã nova se mostra
como a flor do teu jardim antes fechada
ora viva como chama.

como os olhos se te abrissem hoje
e não antes,
certo agora de que um mundo existe,
palpitante, expectante,
onde faltava apenas tua vida,
por estar apagada, adormecida.

águas negras

os cabelos longos negros
em queda como águas,
cabelos índios do norte
à luz de uma janela fechada,
trazem distância
de um trilho estreito para a morte.

caídas ao longo de um anjo perdido,
as águas negras
escondem um beijo esquecido
da noite que foi noite até ser manhã.

do toque embalado na dança do olhar
cruzado entre o céu, a escuridão e corpo de mulher,
fica um sorriso para nos lembrar,
de um gesto desenhado no tempo
até que as rochas voltem a falar.

Wednesday, September 28, 2005

Vontades da Passividade!

Morte ao Sol

Menina que a lua torna a ver, a mente sente, o corpo não, não sabe o que poderá ser. Raio de luz que cega ao ver, será que a noite se vai apagar?
A espera ainda espera por sobreviver, tal dose de anseio ao continuar, tentando impedi-lo de voltar... só vontade não chega quando a voz pode e não quer, e, tão alto grita o silêncio que quem ganha é a razão que há muito me abandonou.
Não sonhes que o sonho pára para ver e a noite será enquanto o Sol quiser!

curva e contra-luz

a pele que não se vê
deixa-se adivinhar pela curva
em contra-luz de perfeição,
como o caminho que nos chama
para uma liberdade temida
que estremece o peito
e ascende com a respiração.

descer pelas sombras do arrepio
que levanta a carne da sedução
como um sopro que não se sentiu
de dois lábios em aproximação,
de encontro corpo a corpo,
derramada sobre nós a luz e a escuridão,
de encontro o teu peito a minha mão.

quente, breve toque,
um suspiro que se desprende,
no fumo de um cigarro total
um braço enlançado,
pudor esquecido no teu cabelo que pende,
leve,
semente de um prazer alcançado.

Monday, September 26, 2005

alheio como eu, entre os outros

e se nascesses
estupidamente consciente
de que este mundo não é teu
não lhe pertences,
é antes fatia larga de breu
do nocturno pesadelo recorrente.

e se acordasses
como um acorde fora de tempo,
uma pausa descontente,
uma pauta estridente,
e no mundo a que não pertences,
à tua volta entendesses
rostos, olhos e contornos,
de iguais entre um mundo que não reconheces.

entre aquelas chuvas estranhas,
entre as folhas caídas do outono,
o pálido amanhecer do teu próprio ser
é agora a força que te vem das entranhas
por saber
que entre um mundo alheio,
alheios estão quantos conheces e vais conhecer.

Sunday, September 25, 2005

anoitecer de setembro

raiam os dedos dos deuses pelas nuvens no final da tarde, o mar, quieto, reflecte o céu e o olhar dos amantes de todo o mundo.

Saturday, September 24, 2005

passou o eléctrico... corre para o apanhar

com o sol
as horas cheias
e a noite passada
em sono descansado,
acordamos em dias sem sombras de nada.
um vento rasgado
que nos levanta os olhos semi-cerrados
com gosto por um horizonte longe
que marca o mar e a terra sob o céu.

são dias assim, que passam
sem descortinar o que nos vai por dentro,
as chamas apagadas ou as cinzas ressuscitadas,
as ventanias calmas ou as brisas desenfreadas,
os sorrisos tristes ou as lágrimas apaixonadas,
são dias assim, que passam
sem passar à nossa passagem,
porque ficamos nós próprios sem passar
na linha ténue do nosso olhar.
são dias assim, que passam,
à espera de uma mensagem
que nunca nos disseram enviar.

são os dias assim, que passam,
à frente da carruagem do eléctrico que passou
para nos levar.

Thursday, September 22, 2005

À espera dos pombos...

Estático

Até onde vais tu ó estupidez, que, ganhas asas e as deixas voar… crias as tuas raízes no pleno da tua liberdade e corrompes o mundo inteiro sem nunca saberes a razão das mentiras. Sim! Aquelas que te consomem, e, te fazem viver na angústia de teres mais um dia infeliz. Aquelas que mesmo não sabendo se tornam a tua vida, ignorando o que os céus alto bradaram no inicio da tua existência, essas que por ti padeceram à espera do teu caminho…

A merda também vence...

Outro afinal!

As sombras não desaparecem quando a luz se esvanece… bem pode a escuridão tentar apagar as suas pegadas, bem pode tentar renascer e começar um novo ciclo, mas sem matar primeiro o corpo é difícil ressuscitá-lo! A esperança é sempre a primeira a aparecer, “brilha luz que’inda havemos de vencer!”. As memórias nunca hão-de desaparecer, continuarão a atacar as ideias, fazendo delas um nó cego que aparenta ser fácil desatar, “ó escuridão agora que a tua estrela brilha deixaste-te ofuscar…!”

Matemáticas aplicadas...

Equação Irracional

Por proporcionalidade inversa à do copo, cresce o esquecimento de outra lua com o brilho igual a todas as anteriores. Outro copo e brindo a memórias já apagadas que em fugazes momentos me lembram o que não sou, e, o que pensei não ser… sou o resto do que em mim não existiu!

sem palavras


sem palavras
podem ser criadas mais madrugadas
que num inteiro poema
com todos os versos,

podem nascer mais estrelas
que no momento original
do despontar universal
do tempo, da luz e das mãos dela,

podem crescer belas
mais flores que durante o baile da primavera
nascer uma montanha em pleno deserto
pode ser dado um beijo com mais cores que uma tela
mesmo que as palavras não estejam perto

impermanência

se cada momento passa
em impermanêcias repetidas
de tempo e existências
qual reinventadas vidas perdidas,

vida é soma,
subtraída de si própria,
multiplicada por mim,
dividida por nós,
num momento integral
limitado pelo infinito
do horizonte
que não alcançamos.

Wednesday, September 21, 2005

antes do início do tempo

viver entrelaçado com a raíz
que nos cresce dentro,
e nos liga a uma terra
que não podemos abraçar
é estar sob o olhar
de nós próprios, no ar
como uma folha verde
caindo antes do início do tempo.

o chão, feito de terra,
dá luz por espigas de trigo
em onda amarela,
vaga ténue, chama,
onda pequena, fogo,
soprado pelo vento do sul
que nos afaga, quente.

por cima e em toda a volta,
um mar de bálsamos sem odor,
lembra-nos a total entrega
a um novo mundo sem dor.
embriagados de nós e dos outros,
dos licores e outros sabores,
sentimos os frutos vermelhos,
gosto de ti e do beijo que trazes
nos lábios de mulher.

Tuesday, September 20, 2005

Nota - Variações sobre a Lenda da Moira Encantada

Os posts com os títulos "Às portas do Sol", "Choro-te Moira", "Taberna Eterna" e "Choro-te Cristão" são variações sobre uma lenda de Setúbal que tem por nome "Lenda da Moira Encantada". Dispenso-me a narrar a lenda neste post. "Às portas do Sol" é uma variação da lenda na óptica de um narrador não participante. "Choro-te Moira" é a lenda do ponto de vista do pescador cristão. "Taberna eterna" é novamente uma visão externa narrativa mais incidente sobre a Moira Encantada. "Choro-te Cristão" é uma variação da lenda na óptica da própria moira.
post scriptum. Portas do Sol são uma ombreira quinhentista das antigas portas da muralha da cidade de Setúbal, a nascente da muralha, ficam hoje na zona da cidade chamada comummente "miradouro". A ladeira é uma pequena travessa com uma também pequena escadaria que fica em zona adjacente às Portas do Sol e onde, reza a lenda, ficaria a taberna do pai da Moira.
A pedra furada é uma formação geológica única no país e no mundo, de origem enigmática por ser um arenito ferruginoso com variações anómalas de compactação. À vista parece uma enorme pepita de ferro oxidado.

Taberna eterna

na divisão,
cárcere de dias e noites,
mesmo junto ao cheiro dos homens,
o véu encobre no escuro
o rosto árabe, os lábios de frutos.

obriga assim a própria condição
perante deus, de ser inferior,
cativo entre os outros,
vivendo entre grades de prisão.

a beleza contida,
agrilhoada por cimentos,
véus e trajes, viaja por uma só noite
e não volta a respirar o ar da cidade,
da ladeira.

por entre as portas
o sol ainda raia
em diálogo com um deus perdido,
desentendido entre si próprio.

o feitiço não se rogou a deuses
nem sóis nem luas,
e fica um rio, um mar,
e os ramos tristes das árvores nuas.

e o pescador pode aguardar
o seu amor por uma troca de olhares
que ficou ali, antes do início do tempo,
na ladeira, junto à taberna.

E nunca mais ninguém a viu,
em parte nenhuma,
a não ser as lágrimas que caem
ainda hoje em dias de chuva.

Choro-te moira

vi os teus olhos entre
os raios da luz espaçada por negro
da noite
entre as apertadas paredes da calçada
e mesmo antes do feitiço tinhas alma encantada.

um espectro de deus sem cruzes,
nem tormentas,
sem tortura nem penitência,
cruzaste a brisa quente do meu rio
e tremeste as chamas dos candeeiros
da ladeira original.

um colapso de expansão,
percorreu-me, como uma canção
das próprias águas calmas do meu mar,
e agora rezo a um deus que mora só no meu coração,
sentado nas pedras tristes deste chão.

choro o teu encanto que te levou,
rezo por um amor que nasceu,
me fez amplo e desejar a alva
para contemplar o voo do teu véu.

rezo ao deus que não desfez
feitiços nem quebrou a dura vontade
de um mouro morto e frio,
choro por uma mulher que chora por mim,
em encanto encarnado na sua desencarnação.

rezo ao sol que se levanta sem te poder iluminar,
porque a sombra de uma mão maior que eu te escondeu,
espero-o pela sua porta donde avisto meu leito e seus barcos
que não tornarei a pisar,
choro à pedra que me dizem ter-te escondido,
e que mais não me dá senão um grito já mudo.

Choro-te Cristão

aqui me ajoelho
a tuas vontades,
deus meu e de todos os mouros,
nas salas escuras que são uma só,
as da minha clausura.

meus olhos não alcançam
para lá dos muros que me cercam,
o sol não entra em tua casa, pai,
a àgua que escorre nas paredes velhas
são lágrimas minhas pelo mundo que não vejo.

a noite surgiu-me nova,
rasgada por olhares trocados,
e por beijos inventados,
fiquei ali para sempre.
ali na ladeira onde agora moro
desaparecida e triste.

e choro-te, pescador de Cristo,
sabendo que me choras a um deus,
choro-te nos dias etéreos
que já não vivo perante ninguém.

choro-te na ladeira, na calçada
na porta, no vento,
e na escada,
nos raios de Sol, nas chuvas
e nos raios da noite de trovoada,
nos flores da serra,
na pedra furada,
e nas ondas do teu mar,
choro-te na minha eterna espera.

aqui continuo, por ti, pescador, homem,
encantada, numa prece serena
por sentir correr-te em meu sangue,
percorrida no corpo por tua mão, nua.

Sunday, September 18, 2005

Às Portas do Sol

Porque choras, poeta sem papel?
Porque rezas, derramando sobre o empedrado
as lágrimas do teu rio salgado?
Porque ficas procurando numa busca sagrada
as portas do Sol,
esperando os raios encantados dos cabelos morenos,
e dos olhos moiros que viste na noite
pela calçada mal iluminada?

Espera, cristão,
que nenhum deus te acode.

A taberna, na ladeira estreita,
está deserta de olhos negros,
de lendas de mulher perfeita.

Restam-te dias e anos,
e uma pedra furada
que te acompanhará no nascer do sol,
a nascente sobre o rio triste
em que pescavas.

A moira chora, também
mas as pedras dessa ladeira
que chora contigo,
não a verão mais passar nas noites escondidas.

Espera, Cristão
que nenhum deus te acode.
E o teu amor durará para lá da luz
das portas do Sol que ficarão para o lembrar.

À minha cidade

Descansa na encosta
com um olhar sobre o Sado,
as neblinas das manhãs
cobrem praias de gentes
nas praças abaixo do plátano.

Alto levantam-se as vozes
nas janelas das pequenas vielas,
com sons do passado tão presente
lembrando um povo de mulheres
velhas e belas.

No céu azul do rio
navegam vidas ao sabor de ventos
norte e sul,
e ainda vivem canções de poetas
do coração desta cidade.

Abraçam-nos os fumos do carvão,
as calçadas desregradas,
o peixe de manhã pelo chão,
e as vozes carregadas.

E a Serra dá-se numa entrega
universal aos que a querem,
lembrando o imenso poder
da sua sabedoria intemporal,
das flores que nos oferece
a cada dia que já contemplamos sem saber.

Friday, September 16, 2005

Locomotiva

O som é metálico,
a força, humana,
o ritmo, não.

A máquina não cede,
as mãos fortes
e os braços de homem
martelam a continuidade
dos sons, da matéria
da transformação.

Pelo claustro fechado
ecoam as palavras do ritmo
escravo das horas que não passam
e do pulso impossível
do combustível asfixiante.

Ali dentro, entretanto,
não entram raios de dia,
é permanente noite oleada
na prensa, no torno,
na bancada.
O desperdício manchado
por vezes do próprio sangue
é a malha com que se tece
aquela Humanidade.

O pão é dali que vem,
dos claustros e corredores apertados
dos trabalhos desenfreados
do martelo, bigorna,
forno e alicate de pressão,
A esperança é dali que vem,
como locomotiva latente,
bem presente,
quando unidos cantam hinos
de libertação.

Motivo inverso da queda das pétalas

o silêncio faz de parede
pintada de cores sem luz
entre um e outro
erguida com o cimento
das letras escritas
em palavras ditas
que ficaram para trás.

por momentos
espreitas por cima de um muro
caem pétalas do alto,
como em Macondo,
e o chão é tapete de amarelo,
com o sorriso das árvores sobre nós.

Crónicas da espera do amanhecer parte I

Inimigo Perfeito

O sono ainda se deixa importunar por memórias tão fracas que se julgavam embebidas no esquecimento, ou será algo fingido para entretém de quem não tem direito a sonhar? No momento pouco exacto em que fogem ao presente, existe a esperança da sua sobrevivência, talvez nunca necessitem… a sua chama ainda consome ar e no meio da poeira o respirável ainda consegue ser vento, perdem-se, ganham-se novos significados, amplificam-se e desvanecem à medida em que vão sendo forçadas para combater o vazio, mas eu… eu só queria conseguir dormir!

Thursday, September 15, 2005

O futuro que não aconteceu

Gostas que te reparem nas mãos finas
vives um mundo teu, onde gostarias de estar.
intensamente, entregas-te
em teus próprios braços,
numa paz tua que trazes escondida.

Trazes contigo momentos duros
dum passado lembrado
que vês com a serenidade
dos outros esquecida.

Não vais embora nunca,
porque perdura a vontade
inexplicável de ficar
aqui, junto ao que não queres fazer
mas não consegues deixar de amar.

Wednesday, September 14, 2005

Superfície rara

Pela noite
ininterrupta, perpétua
e infinita,
cheira a minério,
cobre,
ferro.

Sem auroras,
o fundo é escuro, estranho
e nos pulmões
cheira a minério,
volfrâmio,
estanho.

Negros como o carvão
estão já os sonhos dos filhos
em casa
em noites brancas como cal.

No fundo ou na superfície rara
cantam
pelo futuro de mãos dadas
o orgulho no corpo e na cara

Tuesday, September 13, 2005

Campos por esse mundo fora

vergados no campo
o peso do sol nos dorsos morenos
e as mãos envelhecidas
de dedos talhados
em lascas de madeira
pelas torcidas
tardes entre a poeira
nevoada do trabalho.

tarde, manhã,
tarda a terminar
a jornada interminável
manhã, tarde,
já não nasce tristeza nos campos,
nem resignam as mãos,
nem dorsos vergados,
não morrem ali talhados os dedos
nem os rostos das mulheres,
nem os olhos negros
deixam de olhar o horizonte
de dias melhores.

dorsos morenos,
nus nos homens
sob o lenço das mulheres,
rostos erguidos
horizontalmente no futuro
vertical da humanidade

nascer

já sei o que foi
aquele monte de livros
aquela porta aberta
a fresta de luz pela janela
e a folha caída da estante,
ondulante no ar rarefeito
como dançando numa melodia
frustrante e bela.

sei o que foi
o anjo quebrado
o olhar lançado
o baile encantado
a primavera perdida
pelos cantos da vida

sei o que foi
a esquina dobrada
a flecha disparada
o tempo passado
e os minutos de cada hora
da estrada percorrida

sei o que é
um poema sem rimas
uma prosa sem frases
um grito nascido do ventre
e um sopro num gesto

e depois há tudo e nada
estar, ser, desaparecer
permanecer, ganhar e perder
há caminhos rectos
outros incertos,
rumos de vento
e correntes de tempo
que nos fazem nascer,
e nada conhecer.

Monday, September 12, 2005

Saido do fundo do baú para justificar a demência...

Indagação???

Tudo começa quando acaba

A razão desgarrada de um sentimento impossível de suportar, pode chegar a níveis de loucura e inconsciência, que, nunca pensamos serem atingíveis ... mas a maior insanidade são os momentos intermináveis de lucidez e racionalidade em que no apercebemos o quão erróneo é o nosso amor ... apenas nos consumimos num amargo grito silencioso...

Simples Concordância


O único controlo que tenho sobre mim são as lágrimas que derramo pela infeliz tristeza de não saber se as tuas reflectem a realidade da situação criada em nosso redor , será talvez melhor viver a mentira?? Milhares de pensamentos fluem em mim e não consigo agarrar nenhum , talvez seja este vento que subitamente se levanta em tons sádicos que me faz abstrair da violência das tuas palavras que no mesmo tom doce e familiar que aprendi a amar agora irrompem como facadas nas costas. Apático ajudo-te a criar um mundo por nós criado , e sem vontade própria dou-te razão... já que a minha se esvanece memórias...(existência?)

Vácuo

Eu só queria voar, nem sequer peço asas, a braços de anjo tudo se esvanece… quero fugir... não de ninguém mas de mim, quero desaparecer. Não! Não me iludo mais com fugazes momentos em que falo com paredes, continuo a somente ver o corredor sem fim enquanto elas passam... agitadas por viver e eu, eu continuo em lenta marcha devido a meu fardo crescente á medida em que me abraço. Passo a passo e cada vez mais lentamente abrem-se portas ou descuram-se saídas, só me peço meu corpo e meu pensar na impossibilidade de a mim não voltar.

Caminhante Nocturno

A cidade grita á medida em que penetro em seu ventre, mas em passos cuidados descuro a sua razão que me acompanha em tal fúnebre marcha forçada em busca de descanso. O ruído aprisionado neste citadino silêncio alimenta a decadente chama consumidora de toda a decência restante, marcando compassadamente meus passos que me encaminha ao único leito ao qual me permito, libertando-me a tal amizade que aparenta nunca ter existido em nós.

Já depois do ainda

Ainda dura a noite esquecida
e o sol que se levantou depois,
já ergueu perdida
a flor e sua manhã,
o manto que nos cobriu
pele e alma
é agora a tua voz
distante a quem ouviu.

Ainda duram os céus negros
do alentejo
e a lua que te reflecte,
já levantaram as galáxias
que não sabes,
e o frondoso verde do jardim
é o toque da tua mão
que me percorre sem fim.

Sunday, September 11, 2005

o café são os outros

O cigarro queima já os dedos
por sustentar a existência
frente ao papel em branco
à mesa do café

os quadros nas paredes
dizem que as cores falam por nós
nas mãos dos outros
que nos amparam o ser

as pedras da calçada lá fora
lembram-nos os passos por andar
e a viagem pela estrada
que havemos de trilhar

entre nós e o nada
desenhou-se em fumo
um espelho
com o esmagador reflexo
do nosso próprio olhar.

cavaleiro, eu?

cerrou o pano
não está ninguém na boca de cena.

caiu vermelho
na sala escura.

estranho que não tornem
as luzes para acordar
os que dormem
na tribuna alta sem reparar.

já não estão vivos actores,
dramaturgos, encenadores
cenógrafos pintores,
os carpinteiros
nem maquilhadores.

caiu vermelho
na sala escura o pano já sem cor.

...-te

porquê o som
que ouvimos
nos minutos e horas,
o sopro que sentimos
nos arrepios do dorso
a cada olhar,
o ar que escapa
no peito sem ficar,
a lua que nos lembra
que existe sempre
onde cair na noite sem lugar,

porquê as ondas do mar
a luz estelar
o vento quente
o sorriso da terra que não mente
o abraço permanente
dos cardos da última semente,

porquê não saber
que águas são as que correm por ti,
sabendo exactamente
os contornos dos fogos
que acendem em mim?

As mãos

O teu corpo pintado
num quadro de tempo,
de cada instante
perpétuo.

O meu corpo apagado
num pedaço de pano
de cada momento
efémero.

E no chão molhado
As mãos
desenham juntos
os corpos suados.

Saturday, September 10, 2005

As putas

Vaguear perdido
em ruas estreitas
vielas

vinho nas mesas
no balcão
nas veias perdidas
do teu próprio perdido coração

espreitas pela porta
empedernida
à luz escura perpetuada
no soalho partido
onde espalhas vinho com pão

elas chamam-te
com ou sem razão
ficas estendido
de maos estendidas
para o copo vazio
sem mais gota de tesão

Friday, September 09, 2005

Alvoradas

Não rasgaram os céus crepusculares
Não nasceram os sóis nem luas
Nem vieram estrelas vibrar
Acima de nós,

Não correram as ágeis águas
Na margem do rio onde não nos deitámos
Nelas não reflectimos um beijo que não demos
Nem sentimos vagas de ventos que não sopraram,

Não somos amor que não tocámos
Corpo que não acendemos,
Nem pele ou curva que não seguimos com o dedo
à luz do candeeiro ténue apagado

Não existimos, pois
sem o peito cheio do ar que não respiramos,
nem os sabores do fruto que a árvore não deu,
não nasceu.

Não, não somos
o que negamos, o que não sentimos
não somos a água que não correu em nós,
não o vento que não soprou,
não a boca que não beijámos
e não o corpo que não amámos.

Somos a lama que amassámos,
com os pés com que nascemos,
mesmo que por nós não tenha nascido
um sol, nem lua,
nem tenham corrido águas,
nem soprado ventos,
por não sermos nada
ao lado da montanha.

Open-Source Poetry

Simples.

Certamente muitos de vocês conhecem o conceito de "open-source". O Código-fonte aberto é um conceito associado à programação. Basicamente, significa que o utilizador de um software em código aberto tem acesso ao código fonte, às linhas de programação que dão origem a esse programa, tendo assim a possibilidade de conhecer na íntegra as operações que aquele software executa na sua máquina.

Em muitos casos, é dada ao utilizador também a oportunidade de alterar o código-fonte para ajustar o programa às suas necessidades.

As regras do open-source poetry são semelhantes.
O código fonte é cada um dos textos publicados no blog, à excepção, claro, deste inicial "disclaimer". Todos os textos aqui colocados estão portanto à disposição de todos para que os alterem.

1. As alterações são feitas sob a forma de comentários ao texto inicial.

2. As alterações aperfeiçoam os textos e não são nunca consideradas plágio.

3. Quando se utilizar um texto, alterado ou não, deve apenas referir-se a fonte (neste caso, este mesmo blog) e o texto original.

4. Quem proceder a uma alteração a um texto, seja em prosa ou verso, não pode impedir que sofra outras alterações.

5. Cada texto, original, ou alteração deve, quando utilizado fora do blog, ser acompanhado da assinatura (nome ou nick) com que for apresentado no blog.

6. Qualquer tipo de alteração é legítima: a eliminação de frases, palavras e partículas; a substituição ou o acrescento.

Este desenvolvimento do Cadáver esquisito não está patenteado!

Boa prosa, verso e alterações!