Friday, December 22, 2006

letras ígneas

a primeira página da minha vida és tu.

Tuesday, December 19, 2006

a.g.

ela
centra-me, abraça-me, melhora-me.
ela
questiona-me, rebenta-me, impressiona-me.
ela dança-me, ela encerca-me, ela alegra-me.

entristece-me, a lonjura dela.
encoraja-me sabe-la à distância
de uma meia de leite em chávena escaldada.

ela é áfrica, é casa, é o rio da minha cidade.
ela é a pele que não se inquieta que se aproxima.
ela é o riso comigo é a lágrima compartilhada, é a raiva a pulsar.
ela é minha camarada, minha companheira,
minha amiga,
minha irmã.

Wednesday, December 13, 2006

cadeia natural

tenho a vida presa ao corpo,
projecção do que sou numa parede branca.

tenho o corpo agarrado à alma,
mais que à minha, à das flores da primavera
e à da luz que desce a encosta da montanha.

Sunday, December 10, 2006

era capaz de escrever sem parar, caso houvesse tempo. amar as palavras como se fossem mulheres e delas fazer amantes eternas, constantes e fiéis. era capaz de respirar as letras no papel, encher-me de ares de literatura. em escrevendo os segundos e os minutos são diferentes, porque os agarramos bem na palma da mão. são nossos e podemos pará-los. podemos olhar-nos por dentro e por fora, espreitar a nossa própria alma. se houvesse tempo e talento, era a minha vida escolhida. Até trocar o sangue por versos e as sinapses por exercícios de sintaxe.

e eu ser apenas mais uma página de um qualquer livro aberto...

Wednesday, November 29, 2006

sub-realismo

Sob a minha pele
Andam escaravelhos,
Irrequietos amantes de danças ocultas.
Sobre ela nascem árvores,
Carvalhos, velhos.

Sou a rolha de dois mundos,
Por dentro sul, por fora norte,
Na tempestade, calma,
Na brisa, agitação.

Sou tanto puro quanto imundo,
Tanto azar trago como sorte,
espectro sem alma,
que repta, abaixo do chão.

Entre mim e o ar,
O próprio sulco sou eu.

Tuesday, November 28, 2006

não és a margem do meu rio

sou sinédoque ou metonímia
de um deus metafórico,
elipsado dos nossos dias,
morto em gritos de ignomínia.

fora de mim não existes,
tu, nem deus nem demónio,
que eu sou condição da essência,
da existência
da tua e da minha consciência.

e deixa de lado a hipérbole imortal,
ubíqua e omni-tudo, com que te escreves
em versos, versículos, salmos e sermões,
deixa-me entrar em tebas, mergulhar-me em trevas,
em hades, abraçar caronte e ajoelhar-me aos tridentes.

quero abandono.
não és tu a margem do meu rio.

Tuesday, November 21, 2006

sopro


o mar sou eu
quando em mim
navegas.

o teu beijo é o meu vento.
a tua vela o meu sopro.

e fortes contra qualquer muralha
as minhas ondas serenas.

Thursday, November 16, 2006

onde foi?

havia flores por ali, pálidas. caídas tristes pelo chão em torno dos montes de terra coroados de cruzes brancas. algumas lajes carpiam ainda mortes antigas. das mãos velhas e sulcadas dela, pendiam lágrimas em flor. dos olhos, acolhidos pelo lenço negro que cobria o cabelo branco, o mar nascia em ânsias, em raiva, em dor.

debruçada, como um manto negro sobre a campa incógnita, abraçava o tempo que passara. perto de seu braço esquálido descoberto pousava aquele corvo negro de agouro. o vento trazia um sopro a morte e a ribeira mais próxima ainda fedia de putrefacção. doce ar o fora, hoje tão amargo que lhe perfurava os pulmões.

não soluçava.

ao longe ainda recordava as três últimas noites em que não dormira. mas todas lhe eram apenas rápidas passagens das páginas de um álbum de fotografias tristes. há três noites, os tiros, as violações, o escarro na cara, os seus santos partidos pelo chão. na casa do lado, a mesma coisa. do outro lado da rua, morte. a estrada de terra sangrava pelos que a caminhavam. depois era o choro e os abraços entre iguais, a lama humana tornando-se cimento.

foi preciso passar uma noite em branco para enterrar a devastação que por ali jazia. todos, todos morreram de olhos abertos, estranha ocasião.
outra noite para trazer a água para beber que havia sido cortada.
outra ainda se passou em branco por medo.

ali estava. tudo isto lhe passava agora distante, ténue, porém corrosivo.
os outros já tinham abandonado o campo daquelas almas enterradas, ela persistia.
ainda lhe queimava a pele da face, a saliva do homem de arma em punho. mas a violação foi banida das dores, pela sua dignidade.

quando levantou a cabeça, zás! Uma bala trespassou-lhe o crânio desiludido. o seu sangue foi dado de beber aos mortos. as flores tornaram-se cardos. o corvo, esse, esvoaçou assim que se fez noite.

Friday, November 10, 2006

poema da noite contínua

às vezes acordo
e é sempre (ainda) noite.

e se chover?

não caísse esta chuva forte e o dia estaria claro. assim pensava. amanhã pode limpar o céu. assim me preocupava. e no entanto, no cumprimento da sua própria religião, a chuva riscava o espaço a traços oblíquos de vontade. choveu. chouveu e choveu ainda mais até que, em acto novo, passei para o outro lado da vidraça embaciada. e se amanhã continuasse a chover? agora, pingando, já não me fazia diferença.

Wednesday, November 08, 2006

foste tu que me disseste

há uma dança
em que rodopiam abraços
em grandes salões,
sob lustres antigos,
espalhando em frescos vitorianos
as sombras das nossas almas.

há outras porém, de mentes nuas,
em abraço constante,
olhar falante.

há uma dança
de chuva, sol,
que passa como um sussuro,
um arrepio.

duas palavras em remoinho,
sopradas ao teu ouvido… ligeiro assobio.
deixa o mar ser mar e andar por aí a transbordar.
tu és. disseste-mo tu.

Wednesday, October 25, 2006

Ascalon

lá onde o ar é sangue,
e pelas suas entranhas
se suspende o próprio povo.
onde as veias pulsam dor,
brotando sempre de um braço novo,
lá onde o vento é fulgor,
é gente resistente,
não há pedras estranhas,
nem liberdade persistente,
há blindados que cospem morte,
balas que matam gente.

lá onde a terra fala fogo,
e a ira é triste canção
a pedra em vez de flor,
ainda hoje brota do chão.

tristes poetas dessa pátria,
vosso rosto erguido,
amputada a terra, escreve o amor.
poema inteiro o vosso,
decapitado na dor.

Tuesday, October 24, 2006

eco do futuro

dá mais um passo
que enquanto caminhas
outros, mesmo parados,
te amparam.

dá mais um passo,
sem esquecer, no entanto,
o trilho caminhado
que sobre ele construirás futuro,
rumo ao sol, deixa a sombra no passado.

outros, mesmo parados,
caminham a teu lado.

dá outro e outro e outro passo,
não há caminho que se nos oponha ao
unido compasso.
a perseverança somos nós,
a voz e o som do infinito.

Tuesday, October 17, 2006

hoje é dia de fugir
e de querer fazê-lo num poema.

chove

por onde caminho, viajo,
sinto Palavra em chamas
Verbo alucinado.

Por onde viajo, caminho,
chovem horas desaparecidas
atravessam-me suaves minutos.

Por onde fujo, corro,
Palavra Verbo
horas minutos,
por onde corro, fujo
chamas alucinadas
suaves desaparecidas.

por onde vivo, morro.
e chovo sobre mim os dias da minha vida.
por onde morro… vivo.
chove… nas noites da tua vida.

Monday, October 16, 2006

valsa a dois tempos

se tu escreveres
eu escrevo um poema
contigo.

se quiseres dividimos
as metáforas
ao meio.

partilhamos pão duro,
pontas de cigarros
e arrependimentos.

desenraizamos memórias desvalidas
dividimos
repartimos
partilhamos.

se escreveres comigo
eu escrevo
meio poema
de amigo.

Thursday, October 12, 2006

espelhos

desprendi-me do tempo.

corre-me o sangue que estancara,
dá-me vida, corpo e alma.

levantam-se madrugadas,
erguem-se novas moradas,
onde há lareiras
cortinas escuras
e cadeiras
e um espelho baço
de futuros
e passados.

sou o momento.
não tenho lugar no tempo,
minha existência é uma fugaz coincidência
da espessura de um reflexo.
sou película ínfima dos desejos
humanos de imortalidade.

eu e tu,
separamos como fios de navalhas agudas,
as componentes do tempo.
projecções de mil ideias resignadas
outras tantas revoltadas.

desprendemo-nos do tempo.

Tuesday, October 10, 2006

como as coisas são

quero o teu beijo e a vida, e o outono sem flores.

Saturday, October 07, 2006

Tuesday, October 03, 2006

sou

um copo transbordante
de absolutamente nada.

Thursday, September 28, 2006

criação

o fumo do meu cigarro enrolava no ar os meus pensamentos. depois de ler no jornal de café barulhento um artigo sobre a origem dos seres, revoltou-me o regresso retumbante do idealismo. o mundo desfaz-se às mãos balofas daqueles que o dominam. o raciocínio do homem é a nossa única chave para abrir a obscuridade. o próprio planeta nos lamenta.

o café passou-me amargo, mas quase despercebido. o novo travo do cigarro incandescente encheu-me os pulmões de raiva. o idealismo. eterno inimigo da humanidade reforça a sua cruzada de dominação do espírito. a criação por oposição à racionalidade.

enquanto passo os olhos de relance incontrolável pela rapariga que se sentou na mesa do lado, aprofundo. a subjectividade das emoções é o sustento da miséria. nós somos o nosso próprio inimigo. no vidro da mesa em que me sento, vejo o meu reflexo contra o tecto. o vidro, no entanto, não sou eu.

agarro a água e bebo-a para tirar o gosto cansado do café. explico o artigo do jornal a mim próprio e entendo o equilíbrio delicado entre ideia e matéria. explico a vida com um facto inexplicável. a criação torna-se clara. o idealismo é a base contrária da definição. acaba-se-me o cigarro. a raiva passa-me dos pulmões para todo o corpo sob a forma de um pensamento.

Monday, September 25, 2006

sangue

no dia em que corrermos para nós próprios,
as chamas da força queimarão as correntes

que nos prendem,

e nosso sangue, ígneo,
não se derramará mais.

trevas

a praça tresandava a peixe moído e o cheiro adocicado das folhas de couves a apodrecer enjoava. ladeada por pequenas casas, a praça ali descansava, redonda. duas ruas, mais uma viela para ali confluíam. era o centro da cidade. construções de pedra unida por uma pobre argamassa castanha davam à praça o ar triste da idade em que vivíamos. idade negra, não como a noite, mas como um dia passado em clausura.

ontem tinham ali estado famílias de comerciantes, vindos de fora, de longe e de perto. uns com peixe. outros apregoando legumes. carne não. chegavam em carros e mulas, com o cuidado de trazer tudo bem acondicionado, não fosse cair um nabo ou um precioso arenque salgado.

hoje era o sanatório das doenças da alma e do corpo. a viela que dava para um pequeno largo, era o canal mais habitado. no largo, sob um arco de uma ponte, uma árvore sem vida enchia o espaço, contrastando com as candeias acesas que iluminavam as placas de madeira, anunciando estalagens e casas de pernoitar. nas janelas assomavam-se mulheres tristes. a rua grande, ao estilo de avenida ia direita às portas da cidade, viradas a nascente para que ninguém se esquecesse de acordar. a outra rua, mais delgada, mas decorada de flores púrpuras e brancas pendendo das varandas e dos candeeiros levava aqueles que quisessem à casa de deus.

foi dessa rua que saiu pairando o bispo obeso. passava censurando a própria existência do homem, de nariz feio, erguido acima dos cheiros mundanos do peixe e das alfaces castanhas. acima, principalmente do cheiro a humanidade perdida pelas ruas escuras. ele era um ostensivo animal do clero. eu tinha um papel naquele dia e não seria o último.

da janela do meu quarto por uma noite, olhei com calma a besta que passeava os anéis do poder, carregando o deus da alimentação anafada no ventre. sorvi o último trago da aguardente que uma mulher me tinha deixado sobre a mobília, como um presente. desci a escada num salto. olhei de novo. os vagabundos mendigavam bênçãos ou palavras divinas, na esperança de que fossem feitas de prata ou cobre. outros, como cães acossados, remexiam flagrantemente os restos espalhados no chão, aguardando a misericórdia tão propagandeada nos cartazes à porta da igreja. o bispo que ali passava não era um homem, era o poder.

tirei o pequeno estilete do cinto. corri. passei como um gato, lesto e silencioso, a minha garra de metal junto ao pescoço do homem que falava por deus, contornando um séquito de inferiores padres com a dignidade de um bom ladrão.

enquanto o sangue jorrava, misturado agora com as escamas e as tripas do peixe de ontem, abraçando os legumes liquefeitos, os trajes encardiam-se. o bispo já não flutuava acima do mundo. ninguém viu a sua alma voar, nem nenhuma aura se fez descobrir. apenas sangue e imundície. de repente, morrera o poder. foi pilhado o corpo, roupas, bolsas, cordões, sandálias, anéis e outras jóias, como a qualquer outro teriam sido. entre os padres que rodeavam agora o cadáver, não existia preocupação solidária. nenhum protegeu o corpo, e um chegou mesmo, disfarçadamente, a guardar uma pequena bolsa. entre eles, cruzavam-se olhares e o pensamento, sabiam-no bem, era igual em cada um. pode ser que me ordenem a mim.

cleptomania

como vieste,

homem,

a roubar o que é teu?

Friday, September 22, 2006

germinar na morte

caminhávamos de mãos dadas, os braços junto aos pulsos envolviam-se em trança. em nosso redor estendiam-se os campos vermelhos do sangue da guerra que ainda se sentia.
os homens e muitas mulheres foram ali trespassados pelas suas próprias lanças, derramando entranhas aos corvos do dia seguinte.

ainda não tinham verdejado novos rebentos no campo. nem a mandrágora aparecia ainda rente ao chão dos enforcados. mas nós… nós já caminhávamos de mãos dadas.

Wednesday, September 20, 2006

queda ou voo

era o fim de uma estação e as árvores despiam-se lentamente antecipando a neve. pelas noites, a lua encontrava um espelho da sua palidez no manto branco de flores abraçadas ao chão já húmido das lágrimas do tempo. todavia, o dia pintava feixes entre as ramagens, numa luminosidade de celestial alvura. mais tarde, virá a neve efémera dos invernos, irmã de tantas flores quantas as que se desprendem da vida.

e quando por ali caminho, neste fim de estação, meus lábios sorvem os sabores do vento frio que já sopra. às vezes, os sopros do norte trazem-me amêndoas doces.

hoje, particularmente hoje, detive-me no meio do trilho ladeado pelas árvores sedutoras dos sentidos. e, ali, de braços caídos ao longo do corpo, cerrei os lábios e os olhos e senti a minha pele ser beijada. a minha face. os meus ombros. pela tez escura exposta, senti as asas da tranquilidade. um aroma de cerejas do verão ainda me visitou juntamente com a neblina do mar pela manhã.

quando os meus olhos se abriram, como uma flecha que dispara sozinha, percebi que as flores me tinham tomado e, por momentos eu fui uma delas. quando se me abriram os olhos, a imagem das pétalas, agora caídas, impossibilitadas de voltar ao seu ramo, à proximidade das suas folhas, encheu-me. vi a vida ali presa ao chão, irreversível tanto quanto passageira. e eu fui uma dessas pétalas desprendidas, passageiro de uma vida, mas numa viagem durante a qual fui beijado pela queda das flores.

Saturday, September 16, 2006

mar alto

sonhei que estava

nesse cargueiro,
contigo.

e éramos felizes.

Thursday, September 14, 2006

fim

e de repente ser fria
distante.
nuns minutos passar
de amante a nada
de amiga a nada
de mulher a nada.

o calor dos dias acabou
o aperto da mão no corpo acabou
a dança silenciosa no negro acabou
a vontade no ventre
o sorriso nos olhos
o rodopio de vento
entre a tua pele e a minha pele
acabou.

não tenho mais coragem
nem amor
nem desejo
nem riqueza em mim.

abandonar os homens da minha vida
e ir
só com esta desesperança imensa.

Monday, September 11, 2006

luz

os raios de luz misturavam-se em rodopio com o fumo do cigarro que viajava perto da janela do estúdio. eram aliás as últimas persistências da luz daquele dia e, por cima das mesas cheias de papel, o ar fazia-se escuro. pelo estúdio não vibrava qualquer som e os passos dela ouviram-se na perfeição. ele estranhou a visita. porém virou a cadeira para entrada à espera da silhueta divina recortada contra as luzes da escadaria que pendia até ao nível da rua. o que iria na rua naquele fim de tarde?

ela assomou-se da porta. deu três passos. determinados. a roupa leve adivinhava o corpo mais amado. as palavras sairam-lhe claras, vou embora. os pulmões dele contrairam-se. o coração sobressaltou-se. mas os lábios ficaram cerrados. o último cigarro ainda a viu virar-se sobre os pés, com um jeito calmo da anca.

a noite caiu e a janela abriu-se mais. felizmente havia estrelas.

deitado de costas no chão, o céu pontilhado de luz abraçava-o. olhava as estrelas sabendo que nelas via o passado.

Tuesday, August 29, 2006

desenho do poente

pousas os olhos no mundo,
com a serenidade da noite.

um rio se estende, longe,
recebendo sílabas, fossem água,
do teu cantar.

e o contorno contra a terra,
um céu vermelho,
é o desenho do poente,
rompendo o ventre do mar.

Thursday, August 17, 2006

por entre as nuvens

arrepiou-se o mar
à passagem de deus.
e curvaram-se vagas altivas
das que não cumprem ordens,
nem as palavras do luar.

Sunday, July 30, 2006

beijo sem lábios

assustador,
disseste-me de lábios tremidos.
assustador. . .
beijos assim não são esquecidos.

assustador agora é o beijo
constante
penetrante
que se me ficou desenhado sem lábios,
de palavras caídas:
fossem flores num pátio,
num jardim. . . assim se deitaram sobre mim.

Thursday, July 20, 2006

homem levantado

se há noites que não se vão
há fogos que não se apagam.
e haja corpos que resistam
que ninguém nunca luta em vão.

se há correntes que teimam,
combatem forjas acesas na calada.
e nunca desistas das bandeiras que ondulam,
mulher no campo forjada.

se te escarram cicatrizes pela pele,
encontram teu rosto levantado,
homem erguido, tudo é possível!
a teu lado caminha o povo libertado.

raíz da terra

verde. era assim quase tudo para onde olhássemos naquela pequena terra desenhada nos confins do continente, onde ele se encontrava, a pique, com o mar que reflectia sempre o sol nascente abrindo as vagas à luz do dia. as casas eram rentes, brancas entre as folhas largas das árvores antigas. e muitas, as mais pequenas, plantavam-se entre cajueiros do tamanho de quintais que escondiam as paredes tímidas das cabanas.

as portas, intervalos nas muradas, tinham sempre os portões abertos e muitas vezes crianças descalças seguravam pequenos saguis enquanto lançavam as suas pipas ao vento da tarde. assim tinham os deuses deixado aquela terra, a si própria e à vontade das árvores que a abraçavam. por todo o lado se pousavam pacientes aves, coloridas, atentas. muitas falavam e ainda hoje contavam estórias de tempos mais antigos que a abertura do mar e o reflexo do sol.

era uma cidade escondida de si própria, perdida entre as raízes do tempo, como se ali ainda habitassem povos arcaicos. de facto, as madrugadas ainda traziam cânticos que ressoavam do interior da terra, quentes e poderosos, pesados do tempo que passava.

estranhamente, não chovia, embora as humidades fossem tantas que amiúde os corpos não precisavam suar.

na cabana de cima, de onde soavam tambores ao anoitecer e crepitavam chamas dançantes em movimentos de mulher, vivia a família mais velha da terra. a mais velha, senhora de avançadas eras carregadas no traje e nos olhos, seria das poucas que ainda hoje lembrava a língua das serpentes sibilantes, antigas e primordiais filhas dos deuses desertores.

ali os dias passavam sem que os contassem, como as horas sem registo em nenhum ponteiro. mesmo a lua passava renitente, esperando poder ser a referência de um calendário por inventar. por isso, nunca saberemos em que dia a vida se desprendeu da raiz da cabana do monte. nunca nos saberão dizer a que hora, mês ou ano, o manto da morte pendeu donde se sustinha, caindo sobre os tambores daquela casa.

saberemos apenas que no raiar do sol seguinte, tão abraçado pelo mar quanto antes, mas sem vaga aberta à sua passagem, a terra acordou diferente. Nessa madrugada soaram cânticos diferentes, fatais. ao anoitecer, o sol, deixou, teimoso, ficarem deitados alguns raios seus sobre as plantas, alaranjando o verde infinito e o céu que resistia à escuridão. nesse ocaso arrastado, não troaram tambores. com a noite, choveu.

Tuesday, July 18, 2006

resistir

vibrem os meus átomos
com o cair da noite escura,
gritem as horas pelas quais passo,
sem lhes tocar,
fraquejem as traves do universo,
com o olhar de rapina do negro infinito,
que em cada partícula de ser, resisto.
inspiro,
há uma praia em que a areia
te desenha, incontornavelmente,
a ti.

expiro,
e continuo num mar que murmura,
a cada vaga,
um nome antigo de mulher.

e há um toque incandescente,
que desce do teu olhar,
caindo lento, líquido,
como água cai de uma nascente.

Sunday, July 16, 2006

fim de uma noite de verão

Gotas salubres em palavras fazem nascer mais uma madrugada. Tento pensar em levantar-me para a acompanhar, mas, o meu processo é inverso, ou, pelo menos o é a tentativa, já que na fresta da janela o mundo gira ao contrário da vontade.
Nem eu estou, e tu longe... demasiado longe e nunca o suficiente para que a memória me leve o teu aroma, ou que mesmo a olhos fechados se deixe de desenhar a tua feição, é linda! Contemplo...
Acordo novamente e a lua faz companhia ao sol, dois amantes no anseio de se tocar, como te percebo lua e compreendo o teu reflexo. O cansaço apodera-se e eu, eu tento,não consigo, já seduzido deixo-me seduzir pelo sono, no fundo só desejava que aqui estivesses.

Friday, July 07, 2006

sob os teus dedos

há dois milimetros de ar

in
fi
ni
tos

e logo a minha pele.

sob os teus dedos há uma dança
um remoinho
um assobio

sob os teus dedos
há dois centímetros
de calor
e,
logo,
a minha pele.

Tuesday, July 04, 2006

Monday, July 03, 2006

conto do sul

Há muito tempo que não vinha à terra onde nascera e conhecera o primeiro olhar de mulher.

O próprio cheiro lhe era agora desconhecido e o éter do ar penetrava-lhe os pulmões como estiletes ensanguentados, mas cravados de saudade. Mesmo que lhe pedissem, não saberia dizer porque partira anos atrás quando os primeiros pelos lhe irromperam a pele da face. Mais matizada a sua tez, um escuro suado, de rosto áspero tanto quanto o olhar negro, voltou.

E a cada passo, uma luz líquida ilumina cada canto que olha. Uma escuridão púrpura de veludo cobre um passado que ali não viveu. Não está muito diferente a terra. Claro que o carvalho ao fundo da rua desapareceu para dar lugar a uma festiva fonte em granito importado, mas os carvalhos hoje em dia já não davam abrigo a ninguém, porque os velhos já não gostam da rua.

As casas ali se plantavam estóicas, registando na cal as memórias, como películas de filmes que ali se guardavam apenas para se mostrarem a quem soubesse falar com as suas paredes. O que era uma arte tão perdida, que hoje poucos poderiam desvendar tão ricos registos.

Calor branco que amarelava o ar, as árvores e a pele suada dos homens, deixando imaculada a alvura das mulheres vestidas de sedas longínquas. Era assim por ali, desde que o sol havia decidido deixar de se pôr naquela terra porque se apaixonara pelas flores das cerejeiras tão diferentes que em cada uma dançavam as cores do fogo, daquele fogo escuro de fogueira à beira da praia pela noite cerrada.

Vestia um linho leve e branco no tronco, de linho negro cobria as pernas, por onde se lhe assomavam os pés sujos em duas sandálias de terras exóticas que ficavam do outro lado dos oceanos. O saco que trazia pendurado nas costas pesava apenas duas folhas de papel amarelado. As mesmas que dentro dele repousavam à espera de novas escrituras.

Ali passou, pela avenida central onde no chão ainda rebolavam as mesmas pedras. Olhou a vitrina do barbeiro onde se liam hoje os mesmos preços de antes e pensou que aquela fora a única casa onde não tinha usufruído de um serviço enquanto ali viveu. Não seria pois tarde.

Após pagar, rasgou no peito esquerdo um golpe com a navalha que comprou ali mesmo. O sangue falava a língua da saudade e da beleza guardada no coração.

Pela mesma avenida, de peito em sangue, cumpriu o que ali o teria levado.
Depois voltou atrás e partiu. Bastou-lhe o olhar verde da cigana fulgurante com quem havia subido a mais alta das cerejeiras num dia distante. Foi nesse dia que as flores se tingiram de fogo e chamas e o sol desde esse dia as contempla, derramando ouro sobre a terra.

Caminhando rumo ao longe, puxou das folhas que trazia. Nelas se inscreviam os nomes das cidades, das vilas e aldeias vagabundas por onde pulava. Finalmente, acrescentou o nome da sua terra às folhas da sua vida.

Friday, June 30, 2006

a teus olhos

sou mais bela
mais perfeita

nos teus olhos não há cicatriz ou ruga ou nódoa negra
que me magoe a pele.

a teus olhos só há a leveza da mão
no meu ombro

só há o contorno redondo
da anca
o vale profundo da cintura
a longuez dos dedos
dos braços
da perna exposta.

só há a proximidade dos lábios



sempre longe demais.

Thursday, June 29, 2006

por sobre o mar

longe…
é a palavra da distância,
ainda assim desejo, sobre o mar,
poder tocar o fio do horizonte
onde os teus contornos de sombra
são a mais bela justificação do sol.

Wednesday, June 28, 2006

Fotografia II

de negro, curvada e de lentes fundas, os anos cravavam-se-lhe irrevogavelmente na pele. pela cor, qual mortalha dos pés à cabeça, o marido havia partido. encostava-se numa bengala com o seu braço pequeno, e as pernas serviam-lhe apenas para não cair. andar é manifestamente uma tarefa de facilidade relativa.

pequena, resmungava palavras incompreensíveis enquanto se arrastava lentamente até à base da escada da bica. lisboa tem destes cenários que nos fazem conseguir respirá-la. a bica. a olhar para cima, a calçada estendia-se umas centenas de metros numa subida de passo íngreme e difícil. o elevador da bica, esse, avariado estava, encostado a um canto, com tristeza latente na chapa centenária.

mas ela tinha de subir. não conseguiria porém fazê-lo.
encostou-se na esquina pequena que cruza a calçada com o largo onde ainda descansavam os últimos enfeites dos santos. ali, mesmo onde habitualmente poderia simplesmente entrar no elevador. respirou, duas sôfregas respirações não a deixaram falar com quem ali estava, nem pedir ajuda. meteu-se ao caminho, pisou um degrau. escorregou, ia caindo. na janela uma senhora queixava-se das grades que ali tinham posto, bicudas, aguçadas, que há dezenas de anos tinham levado o dedo ao seu filho que ali brincava.

de negro, envelhecida, de olhos fundos mais que as lentes, subiu a calçada com um trabalhador da carris pela mão, fora de serviço.

Monday, June 26, 2006

solidariedade da força

quando te dizem que não podes,
que o teu olhar não deve ir ao horizonte,
quando te dizem que cales,
que não sintas o chicote,

não sabem que
sentes.

sentes que podes,
que o horizonte é teu, quando quiseres,
que o teu grito é mudo, mas é duro
que a dor não é tua, é de todos.

lonjura

se visses o mar hoje...
hoje o mar eras tu.

e por cima um céu que se lhe reflecte,
abraçava-me.

Tuesday, June 20, 2006

a cidade, a outra face da vida

a cidade é a poça de água do inverno
é a janela partida,
o cheiro sujo da chaminé,
é o cozido à quinta feira,
e o autocarro aqui ao pé.
a cidade são os sorrisos das mulheres,
e o praguejar caduco dos que cospem impropérios,
a cidade é um homem em tronco nu,
e a gravata ao lado, passeando.
a cidade é a noite clara,
o gin derramado
e o cheiro do tabaco entranhado,
a cidade é acordar ao lado de um peito nu sem me lembrar,
são as horas longe do mar,
do vento e da praia,
a cidade é o frenesim
quando meditar não é o mesmo que sossegar.

Friday, June 16, 2006

m.

dói-me a tua morte anunciada.
os pulmões pesados,
o ar que dificilmente
te alimenta.

dói-me a saudade súbita
do sorriso nos lábios com que ano apos ano
te aproximei o cinzeiro ao queixo
para evitar
a cinza que sujasse os papeis
os livros
os filmes
o trabalho
os pulmões.

aqula vez em que
esqucido dos impropérios
flirtaste comigo.
o vestido vermelho a roçar-me a pele
e tu subitamente bem disposto, amigo

dói-me a saudade súbita
da distancia
dos cinzeiros sujos, cheios de vida
dos sorrisos desproporcionados, inusitados, inesperados

do livro que me mandaste
como tu, súbito.

dos cinzeiros
dos livros
dos risos
de ti.


nao morras ainda.
vou a caminho.

Wednesday, June 14, 2006

egoísmo

são apenas os reflexos do nossos olhos
o que podemos olhar,
mas aos outros podemos ver as almas,
assim o espelho à nossa frente
se abata sem estilhaçar.

Thursday, June 08, 2006

idade dos sonhos

lá fora caíam as últimas folhas de outono e o chão cobria-se de vermelhos. era um caminho estreito o que levava àquela casa, orlado pelas árvores que um dia alguém plantou, criando, como deus, um quadro da cor da nossa respiração quando sorrimos. pela janela, os olhos pousavam sobre o chão daquele ladrilhado claro, enquanto a alma descansava sobre si própria, como se por momentos pudesse extinguir-se. lá fora, no fim do caminho, junto à estrada, bem longe, passava a pé a mulher da vida dele.

Saturday, June 03, 2006

Verdade


Deste mundo não levo nada senão a humilhação de ter acreditado no Amor. Todas as matérias se reduzem a pó quando equiparadas a semelhante aterro. Ou terror. A essência do ser humano não existe em detrimento de outro espécime, mas sim para ter uma vida individual e própria, condicionada apenas pela assumpção de uma liberdade plena e relativa. Esse tipo de emoção facilmente se aliena com argumentos lógicos e cientificamente comprovados. Descartes sabia-o, todavia isso afasta-lo-ia da imortalidade. Os horizontes recuam a cada passo que damos em direcção ao Conhecimento e à Verdade, à nossa verdade, e não obstante a indiferença que nos caracteriza, somos também cruéis ao rejeitar a clarividência com que os factos se nos apresentam...indubitáveis! E assenta-se toda uma estrutura social em fundamentos auto-destrutivos, geradora de embriões de paixões assolapadas e estórias acompanhadas de prémios literários! Protegendo-se uma espécie destruidora dos outros e de si mesma. É paradoxal, se a isto somarmos a Inteligência e a Racionalidade com que vimos armados...Sejamos guerreiros, iluminemos o caminho da libertação, remendando a genuína causa de todo este teatro universal! Só nos resta um suicídio ininteligível...portanto, vivamos nesta doce inércia de acreditar... que não fomos abrangidos pela condenação "sísifica" de sermos o Princípio e o Fim.

Monday, May 29, 2006

abalo - tremor

morreu-me o deus no altar,
sacrificado, esventrado,
o meu nome não se lê mais,
por nunca ter sabido amar.

não saberei, nunca,
porque o gosto que me fica
é de sangue amargo,
envenenado, pesado.

não correrá mais,
porque agora sou meteoro
telúrico, auto-destrutivo,
rasgado, apagado.

restam dias pela frente,
eras de vazio por desvendar,
um espaço traído por mim,
abalado pelo teu triste cantar.

olhar e não ver, tocar e não sentir

assustam-me as horas negras,
espectros necrófagos das traves da minha alma,
que se some, consome, entre os claustros
fechados do meu corpo.
assustam-me os vazios brancos,
fantasmas singulares de gravidade,
que me esmaga, consome, entre os intervalos
abertos dentro de mim.

Thursday, May 25, 2006

o nascente do Homem

soa a vento o sal dos dias
que em boa hora rumam
a sóis diferentes,
acesos pelas lutas das nossas vidas.

Friday, May 19, 2006

beira de rio

vi-me nos teus olhos,
desfiz-me no teu beijo.
expandi-me no teu abraço,
e os meus lábios em colapso
no teu ombro despido.

era, antes da noite, uma hora clara,
e vi-te ao longe antes das mãos dadas,
e as minhas ali se quedaram,
esperando,
ao que estavam destinadas.

Tuesday, May 16, 2006

fiquei

deixaste-me acesa,
acordada,
desperta.
deixaste-me bem disposta, bemvinda, perdida, sentida, doente.
deixaste-me confusa. deixaste-me
bebida, sorvida, molhada.
desencorajada.
quente.
confusa.
perdida.
ausente.

Monday, May 15, 2006

meu amor.
tenho estado a beber rum contrabandeado, à espera que o telefone toque e do outro lado esteja um amante antigo. tenho estado a pensar na vida, nos espaços deixados, nos amigos que estão sempre longe, mesmo quando lhes toco e eles me tocam e nos podemos ouvir.
meu amor.
hoje apanhei sol e tive saudades tuas, e agora o rum conforta-me a pele queimada. os gatos estão assanhados, querem colo e não sei porquê. estou sozinha em casa, a beber rum e a pensar na vida e os gatos querem atenção.
é tarde em lisboa e faltam-me as palavras. se tivesse mais palavras ligava-te, dizia-te a falta que me fazes, contava-te todas as coisas que nunca há tempo para contar, mesmo quando a noite é longa, e o vinho é muito e estamos juntos nessa lisboa aparecida.
fazes-me falta.

Tuesday, May 02, 2006

Maio

agora os feixes de luz são imensos,
o sol abraça-nos no calor de maio,
mãos de deus por entre as nuvens escassas,

agora quando olhamos, somos nós lá fora
observando a partir de dentro.

é uma música que se espalha pelas flores brancas nas árvores,
fazendo sons de desejos, espalhando notas e tons de um tango constante,
em que nos tingimos de vermelho.

Wednesday, April 26, 2006

transformar o sonho em vida

construimos um dia de novas alvoradas
sem uma única hora perdida,
a cada passo, a cada luta abraçada,
o sonho transforma-se em vida.

é a força de ser infinito,
de ser antigo e porvir,
a força dos homens, das mulheres,
dos jovens, do partido,
o tronco da árvore do futuro
em que as folhas serão dias melhores.

Tuesday, April 25, 2006

ninguém pode parar a primavera

se fossem asas as bandeiras
se fossem ventos os sorrisos,
bandos de gentes verdadeiras
hoje riscariam os céus em vez das avenidas.

de vermelho tingido, o povo caminha
no rumo do futuro que, contra quem queira,
há-de construir, erguido
sobre escombros do que resta da fome mesquinha.

Saturday, April 22, 2006

ao 25 de abril

construiu-se erguido a braços,
levantado sobre o sangue
de quantos lutaram contra a noite
até que fossem possíveis os abraços.

construiu-se o dia na própria escuridão,
lutou-se fazendo arma da carne humana,
e foram gritos em silêncio
que nos fizeram erguer a cara do chão.

e durante os anos o fascismo bateu,
mutilou a esperança colectiva dos homens,
e não chegaram os dias de desânimo,
porque em derrotas e vitórias, o povo aprendeu.

aprendeu a construir, a rir
aprendeu a ler, a ouvir
aprendeu a cantar, a lutar
aprendeu a gritar, a vingar
aprendeu a crescer para lá dos muros da opressão,
fez um mundo novo com as ordens do coração.

Wednesday, April 19, 2006

se os tive...

voaram os pássaros da minha alma
escorreu-me o sangue em rios
e, desabitado, vivo a noite que caiu
entre folhas de árvores de um bosque que nunca existiu.

venho por esse caminho difuso,
a cada passo, levantando o pó cansado,
e viajo sem olhar para trás,
e à frente abrem-se horizontes vazios.

Sunday, April 16, 2006

outra forma de ver

a ignorância é sofrimento inconsciente.

Tuesday, April 11, 2006

planície vermelha

vasta a lonjura que se estende
nos dias de sol vermelho
espraiando sopros em rasgos à tua frente,

vasto planalto do meu sangue
que te plantas em larga planura
abre-te ao povo exangue
que desde a manhã te procura

deixa o sol ir-se.
tornará vezes sem conta à sua altura de meio-dia,
donde choverá em gotas de calor sobre nós.´

Monday, April 10, 2006

apenas pó... hoje és apenas pó

dizes que a vida te traiu,
te cansou por acumulação
de momentos vividos sem pulso
empilhados como livros velhos
na estante do teu peito amolecido,

dizes que a vida te viveu,
sem que a vivesses respirando,
foste o ar em vez do pulmão,
consumido assim, (sem que passasse a primavera)
numa só inspiração.

e ainda hoje, que és pó
porque te abandonaste (?)
vives olhando o rio, só,
onde procuras o reflexo de uma alma
que nunca viveste.

Thursday, April 06, 2006

inconstância da chuva perante nós

às vezes eu quero falar com a chuva.
às vezes quero chorar com ela.
às vezes a chuva recusa-me,
outras vezes acolhe-me mesmo quando faz sol.

é nosso o gesto verdadeiro?

pegamos na caneta para escrever, ou nós somos a caneta de uma natureza que espera nascer?

Friday, March 31, 2006

condição irreversível

os loucos podem fazer a poesia,
os doentes, como eu, podem apenas ser feitos por ela.

Thursday, March 30, 2006

-sem título-

dóis-me
e há memórias que insistem
e sonhos que persistem
mesmo depois do verão.

Monday, March 27, 2006

novembro e o mar

estávamos no mês de novembro. soprava um vento que nos descia pelo corpo como descia a encosta sul da serra. o combinado era encontrarem-se na praia, longe de todos. em Novembro as pessoas não vão tanto à praia, ainda que a raiva das ondas e a espuma branca da sua rebentação pulverizante seja ainda mais bela contra o céu carregado e cinzento. a serra desce de encontro ao mar mesmo ali naquela praia e as árvores ainda beijam a areia com alguns dos seus ramos, evidenciando uma palete de cores invernais de vegetação, areia, mar e céu.

o sol só raiava ao longe, num intervalo das nuvens compactas, que deixava passar um leque de feixes luminosos, clareando o mar ao longe, como se fossem dedos de deus.

ali na areia, esperava-a.
ela descia com calma as escadas que se encaminhavam íngremes para a praia gelada, envolvida numa neblina esparsa que murmurava novembro. e o som à volta era o das ondas que batiam e o do vento que soprava frio nas nucas de ambos.

ela desce, aproxima-se e senta-se ao lado dele. a combinação era de ali se encontrarem, não havia nenhum outro propósito. olharam-se, no recorte contra o céu cinzento e os cabelos dela apontavam o sul, ondulando sobre o seu rosto. os olhos encontraram-se e fixaram, por momentos, a vida de cada um.

ele não podia estar ali. por isso, aquele encontro não passaria dum encontro de olhares e vidas, numa concorrência pontual de duas cujos caminhos não mais se cruzariam.

o olhar dela buscou-lhe o ser. como quando se faz amor. só se ouviram duas frases:

- olha o mar, que os teus olhos me apertam.
- posso olhar, no mar vejo os teus olhos.

Wednesday, March 15, 2006

a casa com relva

raiavam as primeiras luzes da manhã sobre o orvalho que descansava na relva. deixava em casa praticamente tudo. naquele dia não ia precisar da carteira, nem das moedas, não ia precisar do telefone, nem da mulher. não ia precisar da companhia da filha, nem do fiel sirocco, não ia precisar sequer dos chinelos e trazia com ele só o corpo. a relva estava fresca, fria até. os seus pés enterraram-se nela e o seu corpo sofreu um pequeno arrepio, enquanto a alma se lhe encolheu. encolhia-se para tomar balanço, para ganhar coragem de encher o peito logo a seguir. e ali, com os pés na relva enfiados, com o orvalho fresco de primavera a cobrir-lhe o calor saído da cama, olhou a relva e o céu. respirou. entrou em casa e pensou: pronto.

Thursday, March 09, 2006

assassinato político

romper grilhões e derrubar prisões,
levantar o rosto ao vento do futuro,
digno olhar frente aos batalhõees
que das armas cospem ódio de metal duro.

e não cair uma só lágrima
porque o que fica é liberdade
respirada nas palavras da poesia
da luta travada por acabar,
de um novo céu por conquistar.

De regresso ao zero...

Ode triunfal???

O corpo já pede descanso à dor que se torna insuportável, esta, prima pela transparência, tal não é a vontade... "Por favor pára!" arranha desesperando o coração. Mas o pedido de clemência cala-se quando não deseja ser ouvido, e, mais uma vez a razão cai no vazio. Entretanto o mundo canta a sua mecânica, pára, arranca, apressa-se, abranda, mas corre sempre no sentido da habituação. "Ergue-te, ergue-te agora que ninguém vê, caminha e desiste ao teu fado, mas porque podes, não por ser a tua única opção.

A natureza da incompatibilidade do ser, e, o efeito do vinho carrascão num Sábado longo de mais!

A mecânica rotineira padece da sua repetição, acabando por confrontar-se sempre na mesma maneira! Consome-se e tenta aplicar-se em qualquer contexto, não consegue!

Lamúrias da dormência...

O Sono do Monstro

Olho, vejo, cheiro... até consigo sentir,no entanto espero neste gelo. O grito tenta esgueirar-se, percorre-me as entranhas,e,continua a estranhar, de tão entediado que está acaba por sair silenciosamente... mais um manifesto de dor? Desilusão? Talvez! Outra palavra nasce em mim, acredito no seu silêncio. Sinto-me triste, não por ti, não por nós, mas por mim, por já não conseguir sentir!

Wednesday, March 08, 2006

ascende-te

mães da humanidade,
a quem os deuses chamaram
um dia filhas inferiores,
fizeram com suas mãos e próprio sangue
reescrever escrituras,
vencendo a dignidade à imortalidade.

e hoje contemplamos cada uma,
numa vénia às deusas de si próprias que caminham entre nós,
rumo à ascenção emancipada.

Monday, March 06, 2006

um feixe de luar

à minha frente, desenhou-se uma estrada. no exacto momento em que deixei de a procurar.

Thursday, March 02, 2006

fotografia I

o homem era pequeno. ao meu lado, ficavam-me seus olhos à altura do meu queixo. largo também. a barba feita, mesmo estando em greve contra as condições de trabalho e contra as ameaças do patrão da mina. chovia. chovia muito. desde a rotunda mais próxima até ali, enchiam-se as ruas de carrinhas e autocarros azuis escuros, com matrículas da guarda nacional.
os guardas esses, em posição ingrata faziam fila bem organizada do outro lado da estrada, pelas minhas costas. ali, em frente ao homem, de 32 anos desgastados por 15 anos de fundo de mina, um pequeno telheiro resguardava-nos da chuva. atrás dele, insinuava-se um fogareiro de brasas acesas aquecendo a ração para a noite longa de vigília combativa. os guardas, bem comportados, aparentemente, eram fustigados por uma chuva que recebiam, serenos, sobre as sobrancelhas que pingavam.

o homem falava agradado com a solidariedade dos seus camaradas, mostrando a cada gesto o peso da laboração contínua. os outros, à volta, passavam e ofereciam-me mais um copo de vinho tinto. a guarda não os incomodava, ainda que pudesse ser essa a intenção de quem a mandou para lá. na verdade, tinham outras coisas com que se incomodar.

o homem falou-me da filha que não via, da mulher que deixava frequentemente ainda ou já a dormir quando saía de casa para a mina. a chuva não parava ali mesmo ao lado. a guarda não desmobilizava. a boca da mina desenhava-se incontornavelmente nos olhos de cada um que passava perto da conversa. o homem tornou a falar da filha. e da mulher. uma gota de chuva humana pintou-lhe o rosto seco, salgando-lhe a face temperada pela vida.

Thursday, February 23, 2006

desenhar um poema sem papel

a falésia era um tributo. uma homenagem dos mares e da terra aos deuses. só isso explicaria a sua incomensurável beleza. nascida da neblina que as próprias ondas criavam, estendia-se desenhada em pedra esculpida até uma cobertura verde que lhe revestia o topo, expondo a sua força e a sua fragilidade. do cimo, as ondas moviam-se lentamente e a espuma branca parecia quase imóvel. o ventre da escarpa impunha-se, mostrando altivo a sua grandeza.

ali do cimo, os seus pés eram o começo de uma descida alucinante. ali do cimo, a falésia ostentava a beleza que ninguém lhe podia tirar. ali do cimo, no entanto, a inevitável imagem de precipício sobrepôs-se. a queda. a vertigem. o toque fatal e despedaçante nas pedras que lá em baixo abraçam a onda. a falésia dual. ela não pode deixar de dar um pequeno passo atrás, segurando-se à ideia de que a terra poderia aí ser mais firme. ali, a vertigem desaparecera... o precípicio desfez-se... no entanto, a força da escarpa também dissipou.

a imagem da queda em velocidade acelerada, vertical. a imagem do seu corpo frágil de mulher a sentir numa fracção de segundo a pedra dura cruzou-lhe o pensamento como um relâmpago. mas o suícidio não a seduzia, nem transportava consigo qualquer razão para tirar a sua própria vida.

deixou o mar, retirou-se naquela tarde de primavera verdejante. a caminho de casa ficava-lhe a agradável mas curta viagem de comboio. sentou-se no banco, frente a um homem que lia um entediante jornal desportivo, mas que, a julgar pela aparência, há muito tempo que não sabia o que era praticar desporto. a carruagem ia praticamente vazia. era dia de descanso e as pessoas não andam de comboio nos dias de descanso.

quase vazia. a viagem era quase curta. mas no espaço da carruagem cabia o rapaz do banco do fundo. no tempo que durou couberam os olhares trocados. o último olhar foi uma vida, ele desenhou-lhe um poema nunca escrito. como se entre eles num vidro se traçassem os mais belos versos do Homem.

estação. ela saiu. o vidro real da janela do comboio agora impunha-se entre eles, evidenciando a fatalidade de que não se conheceriam.

ela pousou a bolsa quando se sentou na esplanada do café, tirou o seu moleskine. escreveu.
não existem precípicios, tenho dúvidas quanto às falésias.

Wednesday, February 22, 2006

só existo aqui?


através do pára-brisas embaciado, as luzes do carro da frente eram apenas duas manchas vermelhas difusas. o trânsito estava caótico e a rádio, numa frequência que ouvia bastante frequentemente, repetia um programa que tinha passado duas semanas atrás. antes de entrar no carro, a chuva tinha-o feito correr logo de manhã. chapéu de chuva era algo que, pura e simplesmente se recusava a usar.

a ponte, infelizmente, não lhe pareceu deserta, nem lisboa havia partido para parte incerta. tudo estava bem ali, diante de si. era a sua cabeça que queria partir para parte incerta, longe. o dia já se adivinhava longo. igual a tantos outros em que, qual funcionário cansado, as tarefas lhe pareciam bocejos.

o trabalho foi igual à manhã. no cubículo sentia-se longe de casa. os lápis não lhe inspiravam os desenhos que fazia quando ali chegou depois dos hábitos que ganhou nas visitas ao jardim botânico. ali não havia inspiração. as pessoas sorriam apenas como reflexo ao som de um outro olhar que tilintava como uma pequena campainha. o mundo estava ali colapsado. o conforto do livro à beira da cama agora não existia.

um aperto, quase um suor frio, subiu-lhe ao peito. a vida poderia estar resumida àquilo. só existir aquele mundo pequeno. Levantou-se da cadeira, ainda olhou à sua volta... tudo normal. pegou um lápis entre os dedos, gastou-lhe a ponta afiada num papel velho que ali estava. parou. apontou a um papel branco. traçou uma flor. uma pequena flor. então o aperto agigantou-se. o peito apertou-se-lhe de tal maneira que não resistiu. não chegou sequer a sombrear o interior das linhas que desenhavam uma pequena e comum flor. caminhou a passo apressado pelo corredor, desapertando a gravata sufocante.

Correu até à porta após sair do elevador que o levava ao piso térreo. lá fora, continuava um dia triste, com carros quase parados e pessoas em fila para passarem uma passadeira. os chapéus de chuva negros amontoados causavam uma sensação curiosa. ali debaixo era como estar sob uma coberta. atravessou a estrada a correr e seguiu dois quarteirões sob as gotas que iam enfraquecendo. aos portões enferrujados do jardim, não ligou. mas assim que pisou o chão de terra e gravilha, sentiu o aperto que já lhe afectava o pescoço, descer. a intensidade do espaço cortara-lhe a força da ansiedade. afinal, o jardim continuava ali. o vento soprava-lhe na face e os olhos semicerraram-se com uma alegria infantil. o cabelo ondulava lento como se estivesse combinado com as flores que, inacreditavelmente, continuavam ali. largando as suas pétalas brancas ao chão, como neve. E, no fim do dia, o livro continuava à beira da sua cama.

Tuesday, February 14, 2006

Os outros (ou nós sem mim)

Por mim ando às vezes,
Caminhando errante.
Contemplam-se as paredes
Com o olhar típico da cal.

Mas era por ti
Que vagueava nas noites.
Nas noites,
Nuas sem cal, sem muros nem paredes.

Tuesday, February 07, 2006

o gesto

Como quando sopraste no meu pescoço,
Como quando riscaste uma linha na areia,
Como quando o vento levou o teu beijo,
E o mar revolveu a praia,

Como quando abri os olhos e o escuro me vendou,
Como quando tentei ouvir mas o comboio passou,
Como a flor que não está no seu ramo, porque o Inverno chegou,
Como a vela cheia de uma tempestade parada,

Tudo quanto ainda existe,
Deixando de ser, agora
Ali esteve como escultura,
Gesto marcado a brasa no corpo do tempo

Wednesday, February 01, 2006

partido

faz-nos a força escondida
ascender-nos à pele queimada
do sol e dos frios.
faz-nos os olhos terem o poder
de falar e os lábios crescerem
até rios de revolta.
faz-nos um colectivo uno
de construtores do futuro libertado.
faz-nos aprender sempre que,
uns e outros, somos obreiros da esperança.
faz-nos aprender sempre que nossa força
é aprendermo-nos tomando consciência.

alquimia (ou invocação dos elementos)

já passaram as águas do teu mar por mim,
deixaram-me o sal de sonhos e quimeras sem fim.

pousaste o sol a meus olhos e fui eu quem ele,
por momentos, inspirou.

voei em teus ventos um sopro alado
e fui assim superior a meu fado.
foi amor, mar, sal, sol, vento,
forças de um deus que és tu a meu lado.

meu acto, teu acto

não somos mais que pedaços uns dos outros

Tuesday, January 31, 2006

a terra



Naquele dia tinha chovido.

O ar ainda estava cheio da luminosidade de Inverno, como se todo ele fosse espelhando os raios de sol quente que contrastavam com o cenário molhado.

Naquele parque, longe de minha casa, dava voltas ao que ainda guardava da noite anterior.

Tentava vislumbrar entre as memórias enevoadas, o código perdido dessa noite que me tinha dado um nó, não na garganta, mas no pensamento.

O parque olhava-me enquanto o contemplava.

De alguma forma, eu era-lhe indiferente, como lhe era o meu olhar pousado num dos seus lagos. De alguma forma, ele só queria abraçar-me.

No fundo do lago, descansavam folhas dos últimos dias do Outono, de um castanho já morto. E era essa morte que dava vida às águas onde não nadava um único peixe. De fora, com o sol na cara, era forçado a semicerrar os olhos. O mais importante para mim já não era a noite anterior. Ali… eu não respirava. Estava antes a ser respirado. Nesse mesmo instante, colapso. E, desaparecido, nunca me tinha sentido mais vivo. E foi o cheiro da terra molhada. O cheiro mais puro, decerto o cheiro do primeiro dia, porque é o cheiro do mundo imaculado…

Olhei a relva, um verde húmido escondia a terra mas o cheiro não. Senti aquelas gotas nas minhas mãos. Geladas, desceram até à terra, abaixo dos fios verdes de relva. A terra tocou-me.

Thursday, January 26, 2006

lisboa escondida

Muros e casas erguidas num desnível de colinas
Cidade escura de almas à deriva pelas artérias escondidas
Em ti escondem-se sorrisos
Nas janelas perdidas.

Encerras a amargura do olhar
De tantos quantos desde a manhã
Ficaram para te amar.

Tens a certeza de abraçar
Uma pobreza tão vasta como o mar
E no teu rio passeiam nuvens
Dos homens que viste passar.

Podes esconder-te no cinzento das tuas ruas
No envidraçado céu que te cobre
Mas em ti vibram cantos de guitarras
E sobem mares de saudade.

Lisboa, ensina-me a morte e a vida
Que desprezei desde aquele instante em que te vi
Ensina-me as flores que te habitam as pedras da calçada
Ensina-me o brilho dos olhos chorosos das tuas mulheres
E o sabor do teu vento no rosto da minha.
Ensina-me a percorrer-te como se fosse o teu sangue,
Eu e as tuas gentes.

Tuesday, January 24, 2006

de pé...

mesmo quando o ventos nos são contrários,
olharemos firmes o futuro que queremos construir
contra correntes e grilhões reaccionários
levantaremos a voz de tantos quantos souberam resistir

como um mar, somos constantes na luta
não vergaremos nem braços nem mentes
não haverá força mais forte que a esperança
de construir um mundo novo com nossas gentes

e se um dia alguém vender sua conduta,
outros mil darão rumo e norte à mudança
de um mundo corrupto, doente e indigente
a um mundo horizontal sem filhos da puta

Wednesday, January 18, 2006

osrevinu

encontrei um dia a espinha do cosmos
mas perdi-a quando me distraí.

Thursday, January 12, 2006

anti-epicuro

sei que morro enquanto vivo,
mas deixem-me viver enquanto morro.

por isso quero esse vinho
num sorvo
por isso quero esse teu lábio
no meu corpo
por isso quero o fogo
no horizonte
por isso quero a música
no meu vento
a essência das mulheres
no meu leito
por isso quero o meu sangue
cada vez mais vermelho,
mesmo que esteja rarefeito.
por isso hei-de caminhar
pelos mares à minha frente
em passo imperfeito

e ainda que morra amanhã
terei vencido a morte no dia em que nasci.

Thursday, January 05, 2006

não morre mas sofre

não te valem mais mistérios, poesia.
a vida das gentes está nua,
e a nossa alegria é uma sombra que vagueia,
p'las mortes dos outros e nunca p'la tua.

Tuesday, January 03, 2006

variações do neo-classicismo decassilábico

traz-me uma flor acesa nos teus dedos
de chamas ascendendo sobre mim,
e contigo as nuvens trazem segredos
negro veludo canela alecrim.

(...)

de um lado sou, do outro não

como eu fora uma ponte para outro lado
passam laminadas as águas beijando as margens
do rio que me corta a alma, afiado

sou uma ponte de mim
entre o lado que diz não
e o lado que diz sim,

passeia entre a minha própria neblina
e a altura continuará a ser incógnita
por não sabermos a que distância estamos de deus,
por quanto me estendo, não saberei,
pois moram longe os destinos dos homens.
homem eu?
de que lado de mim descansam esses ossos
que me puxam para a infinita mortalidade...?