o homem era pequeno. ao meu lado, ficavam-me seus olhos à altura do meu queixo. largo também. a barba feita, mesmo estando em greve contra as condições de trabalho e contra as ameaças do patrão da mina. chovia. chovia muito. desde a rotunda mais próxima até ali, enchiam-se as ruas de carrinhas e autocarros azuis escuros, com matrículas da guarda nacional.
os guardas esses, em posição ingrata faziam fila bem organizada do outro lado da estrada, pelas minhas costas. ali, em frente ao homem, de 32 anos desgastados por 15 anos de fundo de mina, um pequeno telheiro resguardava-nos da chuva. atrás dele, insinuava-se um fogareiro de brasas acesas aquecendo a ração para a noite longa de vigília combativa. os guardas, bem comportados, aparentemente, eram fustigados por uma chuva que recebiam, serenos, sobre as sobrancelhas que pingavam.
o homem falava agradado com a solidariedade dos seus camaradas, mostrando a cada gesto o peso da laboração contínua. os outros, à volta, passavam e ofereciam-me mais um copo de vinho tinto. a guarda não os incomodava, ainda que pudesse ser essa a intenção de quem a mandou para lá. na verdade, tinham outras coisas com que se incomodar.
o homem falou-me da filha que não via, da mulher que deixava frequentemente ainda ou já a dormir quando saía de casa para a mina. a chuva não parava ali mesmo ao lado. a guarda não desmobilizava. a boca da mina desenhava-se incontornavelmente nos olhos de cada um que passava perto da conversa. o homem tornou a falar da filha. e da mulher. uma gota de chuva humana pintou-lhe o rosto seco, salgando-lhe a face temperada pela vida.
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