era o fim de uma estação e as árvores despiam-se lentamente antecipando a neve. pelas noites, a lua encontrava um espelho da sua palidez no manto branco de flores abraçadas ao chão já húmido das lágrimas do tempo. todavia, o dia pintava feixes entre as ramagens, numa luminosidade de celestial alvura. mais tarde, virá a neve efémera dos invernos, irmã de tantas flores quantas as que se desprendem da vida.
e quando por ali caminho, neste fim de estação, meus lábios sorvem os sabores do vento frio que já sopra. às vezes, os sopros do norte trazem-me amêndoas doces.
hoje, particularmente hoje, detive-me no meio do trilho ladeado pelas árvores sedutoras dos sentidos. e, ali, de braços caídos ao longo do corpo, cerrei os lábios e os olhos e senti a minha pele ser beijada. a minha face. os meus ombros. pela tez escura exposta, senti as asas da tranquilidade. um aroma de cerejas do verão ainda me visitou juntamente com a neblina do mar pela manhã.
quando os meus olhos se abriram, como uma flecha que dispara sozinha, percebi que as flores me tinham tomado e, por momentos eu fui uma delas. quando se me abriram os olhos, a imagem das pétalas, agora caídas, impossibilitadas de voltar ao seu ramo, à proximidade das suas folhas, encheu-me. vi a vida ali presa ao chão, irreversível tanto quanto passageira. e eu fui uma dessas pétalas desprendidas, passageiro de uma vida, mas numa viagem durante a qual fui beijado pela queda das flores.
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1 comment:
isso é voo, sem dúvida. e voar assim é a escrita em ti, a árvore em ti, o tempo a passar em ti.
é bom ter tempo e visão para observar e sentir o mudar de estações.
um abraço.
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