Monday, December 05, 2005

danças comigo?

Danças comigo? Perguntou ele, pequeno, desaparecido. O som era-lhe estranho, o mundo parou e a visão girou em espiral a seu torno. Um fantasma via-se a si próprio, afastando-se, ganhando a necessária distância para tudo aquilo lhe parecer suficientemente real, como um filme de cinema. Parado o tempo, o som continuava como uma caixa de música a quem tinham dado corda a mais. A bailarina dançava freneticamente com todo o corpo de madeira ondulando ao sabor de baixos descontrolados que lembravam o bater do seu coração. Como os impulsos viajantes da música perdida entre aquelas paredes, o ritmo do seu pulso era já um rio de ansiedades, acelerado, pouco respirado. O copo na mão já pedia novo sorvo, o sabor do último trago do rum assustou-o. E o tempo não passava, detinha-se em cada passo dado da parede para o centro, por debaixo dos feixes clarividentes do retombante olhar para o lado que se adivinhava. As mãos perdidas, além de a esquerda segurar o copo, encosta-se a direita ao corpo, abandonada, mas tensa. Em todo aquele tempo pensou em abraçar-lhe a anca, segurar a alma, agarrar o pescoço, acalmar o coração, desaparecer para não se ver, ir de encontro às dela, passar-se no seu peito… mas tudo isso era demasiadamente extemporâneo: o adequado era resignar-se a uma existência tão vaga como a de segurar o cigarro esquecido mas já quase esgotado de nervos.
Os olhos dele perderam-se pelos lábios dela, denunciando irreversivelmente que dentro dele vivia uma chama. Tocaram mais altos os sons daquela noite, como que se os anjos empenhados e atentos, controlassem o volume das angústias. A intermitência das luzes dava agora a cada movimento uma dimensão próxima de uma sequência de fotograma sim, fotograma não. Entre a ausência total e a próxima visão pálida, os olhos dela viraram-se. O bar chamava-a. Não chegou a saber o nome dela.

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